domingo, 23 de agosto de 2009

Os limites para o avanço da democracia na UFBA hoje

A mudança no estatudo e o movimento estudantil


A Universidade Federal da Bahia se prepara para as mudanças do seu estatuto. No mês passado foi enviada às congregações e repassada às conselheiras e aos conselheiros, a minuta que apresenta as modificações pretendidas pela reitoria. A proposta saiu de uma comissão ad hoc indicada pela reitoria, composta pelos professores Antônio Paulo (ICS), Ricardo Carneiro (FÍS) e Aurélio Lacerda (LET).

O documento surge em um momento crucial, onde o debate de autonomia volta ao cenário nacional e alcança os limites da falta de regulamentação. No momento em que a universidade brasileira se reestrutura internamente e se planeja estrategicamente, a disputa de projetos reacende os debates.

A proposta da reitoria, no entanto apresenta elementos que comprometem o avanço da democracia na universidade, da incorporação da população na sua condução e nos impõe a necessidade de disputar esse projeto para os rumos da universidade democrática e popular.

As considerações acerca no novo estatuto ultrapassam o limite dos artigos que compõe a proposta. É preciso interferir no projeto estratégico que se configura hoje para a nossa universidade. As linhas do documento refletem limitações graves para o próximo período. O movimento estudantil deve encarar esse processo enquanto oportunidade histórica para o avanço da democracia na universidade, para a superação do engessamento interno dos órgãos da universidade e para uma virada política que o aumento da participação dos movimentos sociais pode imprimir a partir da ampliação de nossa intervenção.

A mudança estatutária incorpora a limitação da universidade em comportar as mudanças ora vividas, não apenas em âmbito local, mas em nível nacional, e que interfere significamente nas condições observadas no processo de ampliação de vagas e interiorização do ensino superior. Não absorve, e até deixa de observar, a necessidade de imprimir uma gestão democrática da instituição com garantia da autonomia universitária, aliada a ampliação da participação da sociedade civil e dos movimentos sociais.

Não há condições para o avanço do debate sobre autonomia universitária sem encarar os limites da participação de alguns os setores da universidade na estrutura hoje vigente. A gestão democrática é condição fundamental para o fortalecimento da universidade e para o combate aos interesses conservadores que a disputam. A paridade nos órgãos colegiados e comissões e na eleição para dirigentes deve ser colocada em pauta pelo movimento estudantil.

No debate sobre financiamento, a autonomia financeira pretendida não deve sobrepor o limite da gestão financeira. A universidade pública deve ser financiada pelo Estado, garantido o seu caráter gratuito e sua responsabilidade social. Atualmente, a exploração do investimento privado na universidade via fundações de apoio tem provocado uma distorção no caráter público das atividades realizadas, sobretudo em ensino e pesquisa.

A universidade deve ampliar a relação com a população, extrapolando os parcos projetos de extensão, ampliando-os, e alcançando o ensino e a pesquisa.

O orçamento da universidade deve caminhar para uma proposta participativa, que envolva os diversos agentes interessados no fortalecimento da educação pública, com participação democrática para as representações.

Outra mudança grave: a nova composição do Conselho Universitário pretende retirar a participação da comunidade baiana do seu colegiado. Hoje, três representações oriundas de diversas organizações da sociedade civil são indicadas através de votação a compor o Conselho Universitário. Nos últimos anos, participaram destas cadeiras representantes da direção do MST e da Marcha Mundial de Mulheres, para ter dois exemplos. A proposta de retirar essas representações do espaço decisório da universidade é absurda e reflete o pouco comprometimento do projeto com a participação popular.

Na proposta em discussão, há um elemento dissonante com o fortalecimento institucional. A assembléia universitária perde o seu caráter deliberativo, passando a proceder bienalmente uma avaliação institucional da universidade ou fazer recomendações sobre assuntos de alta relevância. Deve-se observar a inoperância do antigo modelo de assembléia, que as pessoas mais antigas não têm memória de uma única sessão. No entanto, deve ser um momento de imprimirmos o debate acerca dos limites da nossa participação nos conselhos superiores e a necessidade de democratizar o espaço institucional. A assembléia universitária tem sido um espaço importante de mobilização e debate em outras universidades do Brasil e a UFBA deve incorporar essa demanda.

Outra proposta polêmica é a criação do Conselho Consultivo Estratégico. A minuta apresenta a composição de um espaço, também de procedência bienal, composta pelo reitor, mais 25% de representantes do governo nas esferas federal, estadual e municipal, 20% de empresas financiadoras de atividades em educação e pesquisa, 20% de representações diversas como ex-reitores, ex-alunos, doutores honoris causa, sobrando 10% para as entidades representativas de cada setor da universidade e nenhuma participação dos movimentos sociais de fora da universidade. Esse conselho avaliaria o Plano de Desenvolvimento Institucional da universidade recomendando metas, objetivos, ações, programas, que viabilizassem cada projeto interessado.

O risco do estabelecimento de um espaço como esse é possibilidade do CCE pautar o projeto estratégico da universidade, entre agentes que representam interesses diversos, contraditórios muitas vezes com a popularização do ensino público, além de interventores diretos do capital privado através das agências de fomento á pesquisa. Alguns setores da universidade já apontaram rejeição à participação de agências de financiamento, preocupados com a intervenção ainda mais direta destas sobre as condições e os rumos da pesquisa na universidade.

A sessão conjunta dos conselhos superiores (Universitário, de Ensino, Pesquisa e Extensão e Curadores) ocorrida no último dia 14 foi tomada pelo debate acerca do estreito calendário proposto pela reitoria, que já naquela reunião previa a aprovação de algumas mudanças. A maioria das conselheiras e dos conselheiros que participaram da sessão exigiu uma ampliação do prazo para o melhor aproveitamento do processo, com melhores condições para que as unidades e entidades intervenham no projeto. O resultado foi a constituição de uma comissão composta pelos três setores da universidade que participarão da compilação das contribuições encaminhadas até o período de 21 a 30 de setembro, apresentando para as sessões seguintes o resultado, devendo se estender até novembro.

O Diretório Central dos Estudantes encaminhou o debate para o Conselho de Entidades de Base do próximo dia 22, devendo os centros e diretórios acadêmicos convocar as assembléias de curso durante as próximas semanas para garantir a mobilização e intervir nos órgãos colegiados. Nas próximas semanas o debate se espalhará por toda a universidade tornando-se pauta para atividades próximas do DCE e das entidades de base. O Sexto Congresso de Estudantes da UFBA que ocorrerá entre os dias 17 e 20 de setembro deve aglutinar o amplo debate acerca da autonomia universitária e as bandeiras do movimento estudantil para o processo de mudanças na universidade.

A defesa do caráter público, gratuito, autônomo, da nossa instituição deve ser levado às assembléias, conselhos, congregações e ultrapassar os muros da universidade, trazendo a ampliação da participação dos movimentos sociais e agentes da sociedade civil na gestão do patrimônio público e avançando na luta por uma universidade democrática e popular.

Eduardo Ribeiro "Dudu" é Coordenador Geral do Diretório Central dos Estudantes-UFBA e membro da Quilombo.

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