segunda-feira, 29 de junho de 2009

Um erro suicida


Na reflexão escrita na noite da quinta-feira, 25, há três dias, eu disse: "Ignoramos o que acontecerá esta noite ou amanhã em Honduras, mas o comportamento valoroso de Zelaya passará à história."

Dois parágrafos antes, tinha assinalado: "Aquilo que lá aconteça será uma prova para A OEA e para a atual administração dos Estados Unidos."

A pré-histórica instituição interamericana se reuniu no dia seguinte, em Washington, e, em uma apagada e fraca resolução, prometeu realizar as gestões pertinentes imediatamente para procurar uma harmonia entre as partes em conflito. Quer dizer, uma negociação entre o golpistas e o presidente constitucional de Honduras.

O alto chefe militar, que continuava a comandar as Forças Armadas hondurenhas, fazia pronunciamentos públicos em discrepância com as posições do presidente, enquanto só de um modo meramente formal reconhecia a sua autoridade.

Não precisavam os golpistas de outra coisa da OEA. Não lhes importou nada a presença de um grande número de observadores internacionais que viajaram a esse país para dar fé de uma consulta popular, aos quais Zelaya falou até altas horas da noite. 

Antes do amanhecer de hoje, eles lançaram cerca de 200 soldados profissionais bem treinados e armados contra a residência do presidente, que, separando brutalmente a esquadra de Guarda de Honra, seqüestraram Zelaya, que dormia. Ele foi conduzido à base aérea, colocado à força em um avião e transportado a um aeroporto na Costa Rica.

Às 8h30 da manhã, conhecemos pela Telesur a notícia do assalto à casa presidencial e o seqüestro. O presidente não pôde assistir ao ato inicial da consulta popular, que aconteceria este domingo. Era desconhecido o que tinham feito com ele.

A emissora da televisão oficial foi silenciada. Desejavam impedir a divulgação prematura da traiçoeira ação através de Telesur e Cubavisión Internacional, que informavam dos fatos. Suspenderam por isso os centros de retransmissão e acabaram cortando a eletricidade em todo o país. Ainda o Congresso e os altos tribunais envolvidos na conspiração não tinham publicado as decisões que justificavam o conluio. Primeiro levaram a cabo o inqualificável golpe militar e depois o legalizaram.

O povo acordou com os fatos consumados e começou a reagir com grande indignação.

Não se conhecia o destino de Zelaya. Três horas depois, a reação popular era tal, que foram vistas mulheres batendo com o punho nos soldados, cujos fuzis quase caiam das suas mãos por puro desconcerto e nervosismo. 

Inicialmente, os seus movimentos pareciam os de um estranho combate contra fantasmas, depois tentavam cobrir com as mãos as câmaras de Telesur, apontavam tremendo os fuzis contra os repórteres, e, às vezes, quando as pessoas avançavam, os soldados recuavam. Enviaram transportadores blindados com canhões e metralhadoras. A população discutia sem medo com os soldados nos blindados; a reação popular era surpreendente.

Ao redor das 2h da tarde, em coordenação com os golpistas, uma maioria domesticada do Congresso depôs Zelaya, presidente constitucional de Honduras, e designou um novo Chefe de Estado, afirmando ao mundo que aquele tinha renunciado, apresentando uma falsificada assinatura. Minutos depois, Zelaya, de um aeroporto na Costa Rica, informou todo o acontecido e desmentiu categoricamente a notícia da sua renúncia. Os conspiradores fizeram o ridículo perante o mundo.

Muitas coisas aconteceram hoje. Cubavisión dedicou-se completamente a desmascarar o golpe, informando o tempo todo a nossa população.
Aconteceram fatos de caráter totalmente fascista, que não por esperados deixam de surpreender.

Patrícia Rodas, a ministra de Relações Exteriores de Honduras, foi depois de Zelaya o objetivo fundamental dos golpistas. Outro destacamento foi enviado a sua residência. Ela, valente e decidida, se moveu rápido, não perdeu um minuto em denunciar por todos os meios o golpe. 

O nosso embaixador tinha estabelecido contato com Patrícia para conhecer a situação, como o fizeram outros embaixadores. Num momento determinado, pediu aos representantes diplomáticos da Venezuela, da Nicarágua e Cuba que se reunissem com ela, que, ferozmente acossada, precisava de proteção diplomática. O nosso embaixador, que desde o primeiro instante estava autorizado a oferecer o máximo apoio à ministra constitucional e legal, partiu para visitá-la na sua própria residência.

Quando estavam já na sua casa, o comando golpista enviou o Major Oceguera para prendê-la. Eles se colocaram diante da mulher e lhe disseram que estava sob a proteção diplomática, e que só poderia mover-se em companhia dos embaixadores. Oceguera discutiu com eles e o fez de maneira respeitosa. 

Minutos depois, entraram na casa entre 12 e 15 homens uniformizados e encapuzados. Os três embaixadores se abraçaram a Patrícia; os mascarados atuaram de forma brutal e conseguiram separar os embaixadores da Venezuela e Nicarágua; Hernández a pegou tão fortemente por um dos braços, que os mascarados arrastaram ambos até um furgão ; levaram-nos à base aérea onde conseguiram separá-los, e levam-na com eles. 

Estando ali detido, Bruno, que tinha notícias do sequestro, se comunicou com ela através do celular; um mascarado tentou de arrebatar-lhe rudemente o telefone; o embaixador cubano que já tinha sido golpeado na casa de Patrícia, grita-lhe: "Não me empurre, porra!" Não me lembro se a palavra que pronunciou foi alguma vez usada por Cervantes, mas sem dúvida o embaixador Juan Carlos Hernández enriqueceu a nossa língua.

Depois o deixaram em uma rodovia longe da missão e antes de abandoná-lo lhe disseram que, se falasse, poderia acontecer-lhe alguma coisa pior. "Nada é pior do que a morte! ", respondeu-lhes com dignidade, "e não sinto medo de vocês por isso”. Os vizinhos da área o ajudaram a voltar à embaixada, de onde imediatamente comunicou-se mais uma vez com Bruno.

Com esse alto comando golpista não se pode negociar, é necessário exigir a sua renúncia e que outros oficiais mais jovens e não comprometidos com a oligarquia ocupem o comando militar, ou não haverá jamais um governo "do povo, pelo povo e para o povo" em Honduras.

Os golpistas, encurralados e isolados, não têm salvação possível se o problema for encarado com firmeza.

Até a Senhora Clinton declarou que Zelaya é o único Presidente de Honduras, e os golpistas hondurenhos nem sequer respiram sem o apoio dos Estados Unidos.

De pijamas até há algumas horas, Zelaya será reconhecido pelo mundo como o único presidente constitucional de Honduras".


Fidel Castro Ruz
28 de junho de 2009

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Entre quatro paredes


Duas analises tem sido muito difundidas, ambas incorretas: uma acredita que a crise atual levou ao fim do neoliberalismo e condena o próprio capitalismo à morte. A outra afirma que todas as tentativas atuais – especialmente as latinoamericanas – de superação do neoliberalismo fracassaram ou tendem a fracassar, “traindo” os mandatos que receberam. 

Parecem analises contrapostas, mas são funcionais uma à outra. Porque remetem à idéia de que as condições de superação do capitalismo estão dadas, só não se realizam pela “traição das direções políticas”, burocráticas e/ou corrompidas, cooptadas pela burguesia e pelo capitalismo. 

Além de equivocadas ambas as análises servem de álibi para as derrotas da esquerda: são sempre derrotas “dos outros”. Fica-se na eterna e indispensável tarefa da denúncia, tanto da repressão, quanto das “traições”. Mas os setores mais radicais se consideram imunes às derrotas, como se ao não se aproveitar a crise do capitalismo e o esgotamento do neoliberalismo para construir alternativas de esquerda capazes de disputar hegemonia, não estaríamos sendo todos derrotados. 

Ou os argumentos da esquerda estão equivocados – e a realidade insiste em provar que isso não é verdade, quando se avança é pela esquerda e as propostas de direita estão associadas à geração da crise – ou temos sido incapazes de convencimento e de construção de forças alternativas que tratem de transformar essas idéias em força concreta – econômica, social, política, ideológica. Talvez as posições concretas da esquerda ou não sejam suficientemente concretas para chegar às pessoas ou estejam erradas na sua forma. Talvez se exorbite no radicalismo verbal e isso leva a esquerda ao isolamento e ao doutrinarismo, fechando-se sobre si mesma, apegando-se excessivamente à teoria e aprendendo pouco das formas sempre novas e heterodoxas da realidade concreta. Talvez se privilegie as palavras, a doutrina, em relação à realidade concreta, esquecendo-nos que a verdade é sempre concreta. 

“A teoria, quando penetra nas massas, se torna força material” – dizia Marx. Seu pensamento pretende ser ao mesmo tempo interpretação do mundo e sua transformação radical. As palavras que não se transformam em força material, que não sensibilizam, que não chegam ao povo e não são assumidas por este como vetor de mobilização e projeto de transformação da realidade, permanecem palavras, teorias, doutrinas.
Por isso um marxista é necessariamente, ao mesmo tempo, teórico e dirigente político, intelectual e militante, de forma indissolúvel.
Quanto mais setores da esquerda consideram que os projetos atualmente existentes são todos cooptados pela burguesia, projetos de uma “nova direita” disfarçada de esquerda, etc., etc., mais deveriam se sentir derrotados e desmoralizados. Porque acreditam cegamente que têm razão, mas nunca conseguem triunfar, não conseguem convencer aos amplos setores do povo das suas propostas. Deveriam se sentir mais derrotados que todos. No entanto, exibem soberba diante das derrotas, parece que as derrotas são dos outros. (Como no caso da peça do Sartre, “Entre quatro paredes”, em que “o inferno são os outros").
Muitas vezes setores da esquerda colocam como seu objetivo a disputa de espaço dentro da esquerda, a demonstração de força de que têm mais força que outros grupos de esquerda, quando o objetivo fundamental é construir e disputar hegemonia na sociedade como um todo. Tantas vezes reina o prazer quando se considera que tal pessoa ou tal grupo teria “capitulado”, quando se deveria ficar triste, porque – caso seja realmente assim – é mais uma pessoa ou um setor que abandonaria a esquerda, refletindo nossa incapacidade de conquistá-los.
As vezes dá a impressão que se considera que o gênero humano está condenado à traição e cada vez que se considera que isso acontece, gera uma espécie de satisfação interior, ao constatar que mais e mais gente morde a maçã do pecado e das garras da cooptação do capitalismo.
O debate ideológico dentro da esquerda deve ser dar em função do objetivo maior de construção de alternativas de esquerda, não de ver quem triunfa no marco fechado da esquerda. Senão o campo ficará livre para que a direita decida quem governará – e o fará sempre contra a esquerda e o campo popular. 

Emir Sader é sociólogo.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

CONUNE x CNE

De 15 a 19 de julho, a União Nacional dos Estudantes realizará seu 51º Congresso na cidade de Brasília. Em todas as universidades do Brasil, milhares de estudantes se organizam para a tiragem de delegados/as que irão representar cada uma dessas instituições. Na Ufba não foi diferente, e com um total de 2655 votantes, elege os seus 26 delegados/as.

Este CONUNE deve ser encarado como um espaço importante para discutir os rumos da educação brasileira em tempos de expansão e reestruturação das Universidades, crise do capitalismo, e às vésperas de um ano eleitoral decisivo para a vida dos/das trabalhadores/as. Portanto, a UNE pode e deve exercer o papel de articular nacionalmente as lutas estudantis e ser protagonista nas lutas sociais no próximo período.

A UNE tem mais de 70 anos de história de lutas, como na campanha do “Petróleo é Nosso”, na construção dos projetos de reformas de base do governo João Goulart, nas Diretas Já, no Fora Collor. Infelizmente, o grupo que está à frente da nossa entidade há mais de quinze anos, a União da Juventude Socialista (UJS) e aliados, fez a opção de dirigir a entidade de forma cada vez mais institucionalizada, conciliatória, defensiva, antidemocrática e afastada da sua base. Isso num cenário de avanço das políticas neoliberais nos anos 90 e o conseqüente descenso das lutas sociais como um todo, faz com que a UNE seja cada vez menos reconhecida como entidade representativa por sua base social, os estudantes.

Frente a esta situação, em 2004, um setor minoritário do movimento estudantil, encabeçado pela Juventude do PSTU, faz a opção de romper com a UNE e propor a criação de uma nova entidade. Em sua primeira tentativa, cria a Coordenação Nacional de Lutas Estudantis (CONLUTE), com sua baixa adesão, transforma a tentativa de entidade em agrupamento político que iria construir a Frente de Lutas Contra a Reforma Universitária, outra frente de atuação por fora da UNE que também falha. Com a falência das duas experiências, resolvem construir um Congresso Nacional de Estudantes (CNE), também com o objetivo de dali se criar uma nova entidade nacional em alternativa à UNE.

Há inúmeros motivos para as articulações nacionais por fora da UNE terem dado errado: seu sectarismo, a forma maniqueísta de se tratar a questão, a partidarização do problema, a ilusória avaliação de que a base dos estudantes clamavam por uma nova direção.

Porém, diante disso, a Juventude do PSTU junto com outros setores optam por construir o CNE de forma ainda mais despolitizada. Ao convocar um congresso de estudantes sem proclamar o rompimento com a UNE tentam claramente atrair setores que ainda disputam a entidade. Colocam as ocupações de reitorias de 2007 como paradigmas para a construção de um congresso para articular essas lutas, sem considerar a existência e o papel da UNE como entidade de frente única que teria o papel de fazê-lo. Ainda que a própria UNE não se faça existir nos momentos mais importantes de luta dos/as estudantes, não fazer o debate real sobre seus problemas é não fazer o debate real da crise do movimento estudantil.

Ainda que todas as teses inscritas no CNE apontem para a suposta “falência” da UNE e a necessidade do rompimento com esta, esse debate sequer é feito na base dos estudantes nas suas tiragens de delegados, colocando o CNE como produto “natural” das mobilizações dos últimos anos.

Qualquer entidade, ou outro tipo de espaço de articulação nacional feita nesses moldes, sem fazer o debate real da crise do movimento estudantil na base, sem maniqueísmos ou ilusões, está fadada ao fracasso.

domingo, 14 de junho de 2009

América Latina, lições para a esquerda européia




O resultado da eleição para o Parlamento Europeu não deixa margem para qualquer dúvida. Há uma incontestável hegemonia conservadora no Velho Continente. Partidos de centro-direita obtiveram expressivas vitórias na Alemanha, França, Irlanda, Espanha, Grã-Bretanha e Irlanda. Agremiações de extrema-direita têm avançado na Hungria, Holanda e Romênia. Como já assinalou Emir Sader, a Europa está na contramão dos avanços obtidos na América Latina.Longe de ser um fato surpreendente, o resultado parece demonstrar que a esquerda européia, ao contrário da latino-americana, ainda não conseguiu se desvencilhar da armadilha em que caiu quando, para se tornar "assimilável", optou pela indeferenciação programática com o campo conservador. Há mais de uma década é incapaz de apresentar um projeto alternativo, contra-hegemônico.Lênin, o bolchevique, dizia que a melhor maneira de se apreender a verdadeira dinâmica da história era "a análise concreta de uma realidade concreta". De Lênin pouco se fala. O bolchevismo se traduziu num socialismo burocratizado e a realidade, para fins de análise, deixou de ser concreta. Capturada pelo espetáculo, se apresenta fluida e fragmentada. A indigência analítica dá mostras do estrago feito pelo neoliberalismo nos últimos anos.A história, percebida como registros pontuais e sem articulação entre si, passou a ser uma sucessão de raios em dia de céu azul. Um dia, do nada, surgiam o Iraque e Saddam Hussein. Ao nada retornavam por determinação conjunta do Pentágono e da CNN. Duas torres viraram pó em Nova York, e o cenário que emergiu foi o do inóspito Afeganistão e seu relevo beirando a impossibilidade geográfica. O Oriente Médio era percebido como local de morticínio perpetrado por um louco general contra fanáticos suicidas. Da América Latina surgiam panelaços na Argentina e golpes e contragolpes na Venezuela. Com som e fúria, nada parecia fazer sentido. Ledo engano.Em meados de 2002, uma gritaria ecoaria na imprensa mundial. Para "estupor" do cidadão francês, a extrema-direita foi para o segundo turno das eleições presidenciais. A Frente Nacional do fascista Jean-Marie Le Pen derrotou o socialista Lionel Jospin e enfrentaria o candidato Jacques Chirac, da direitista RPR. O que mais nos espantava era o espanto. Não tínhamos bola de cristal, mas análise de conjuntura não faz mal a ninguém.Desconhecer a força política do fascismo francês é ignorar parte integrante da cultura política daquele país. A mesma que nos deu Bourdieu, Foucault, Levi-Strauss, Guattari, Sartre, Deleuze, entre tantos outros. Eles são parte de uma formação social que gesta atores e processos que lhes são, em tudo e por tudo, antípodas. Sem o colaboracionismo de tantos franceses, teria sido impossível à Alemanha nazista implantar o regime de Vichy, após ter invadido o país. E o marechal Pétain não pecou por impopularidade. Convém lembrar que o anti-semitismo e o ódio ao imigrante, clara e gema do ovo da serpente, nunca deixaram o imaginário francês. Latentes em períodos de prosperidade econômica, sempre se fizeram manifestos em período de crise e desemprego.Nas eleições de 1995, Le Pen conseguiu, com um discurso tão simplório quanto racista, obter 15% do eleitorado. Era visto, pela imprensa internacional, como algo exótico. Um espécime raro da majestática Quinta República. Quase um convite para se ver o passado como algo inerte numa sala escura do Louvre. Fazia parte de uma parcela reativa da população às injunções do neoliberalismo na vida nacional. Nada a temer, embora seu eleitorado permanecesse fiel. E em crescimento constante. Nesse ponto gostaríamos de fazer uma inflexão: o crescimento do voto na extrema-direita ocorria num cenário marcado por três vetores que não podiam, como ainda não podem, ser desconsiderados.O primeiro diz respeito ao declínio das formações socialistas e de sua crise identitária – instalada a partir da fragmentação da clássica base de apoio: a velha classe trabalhadora, atomizada pela nova dinâmica do capital. Sem movimento social de corte clássico, a esquerda optou por eleger o campo institucional como único espaço de ação. Adotou o figurino das forças conservadoras e elegeu o discurso gerencial como substituto da proposta transformadora. Queria ser percebida como tão competente quanto a direita na gestão da ordem solicitada pelo capital. Descolou-se inteiramente da realidade, buscando uma farsesca terceira-via.Decorrente do primeiro vetor, a descrença na ação política leva à intolerância e ao atendimento imediato ao chamado fascistóide. Tanto mais sedutor quanto mais simplista. Estabelece uma relação causa-efeito que retira da conjuntura qualquer necessidade de reflexão crítica. Não há que se perder tempo com considerações históricas. Segurança pública é questão de repressão policial, e "não se fala mais nisso". Desemprego é provocado por imigrantes que devem ser banidos. O "outro" volta à sua recorrente função de bode expiatório.O terceiro reside no papel da imprensa. Mostrando a política como apêndice de manuais de economia e candidatos como possíveis gestores de uma ordem inconteste, o jornalismo há muito colabora para o esvaziamento do campo político e seus principais atores. Qualquer ameaça aos interesses do capital é vista a partir das reações negativas do mercado, das oscilações do câmbio e da queda da bolsa. A despersonalização é a contraface do fetiche. A perda da substância histórica é retratada no noticiário político. Seus personagens tornam-se anódinos, os partidos extensões das idiossincrasias das lideranças, e os processos sucessórios momentos tediosos que nada dizem. Rituais de eterno retorno que os jornais noticiam por dever de ofício. Nada mais simplificador. Nada mais semelhante à lógica fascista.O problema não é o fascismo como projeto. Sua formatação requer condições objetivas que não estão presentes. O desapreço pela democracia representativa e pelo Estado de Direito foi o recado claro da expressiva votação de Le Pen. E, nesse crime, a mídia deixou suas impressões digitais.A esquerda plural (comunistas, socialistas e verdes) caiu na armadilha em 2002. Chegou a dizer, na fase inicial da campanha, que seu programa não era socialista, e nada propôs como alternativa ao credo neoliberal. A julgar pelos resultados dos grupos de extrema-esquerda, fez o cálculo errado. A Liga Comunista Revolucionária (4,4% dos votos) e os 2% dos votos obtidos pela candidata do Partido Radical de Esquerda, Christhiane Taubira, teriam garantido Jospin no segundo turno. Contra os 17,02% dos votos de Le Pen, a esquerda, dividida entre sete partidos, obteve 45% dos votos. Quando Jospin assumiu a derrota como sendo pessoal, não estava longe da verdade. Votos a esquerda européia ainda tinha. Contanto que tivesse se reinventado.Muito se diz sobre a política: sua época heróica acabou, sobrevive apenas uma teatralização desprovida de historicidade, e a rua não é mais locus da cidadania. A extrema-direita não acreditou nos arrazoados teórico-políticos da suposta razão pós-moderna, partiu para os slogans surrados e para a militância ameaçadora. Apostou no passado, dado como morto, e logrou capitalizar dividendos presentes. O pungente "NON" que estampava a primeira página do Liberátion era uma súplica vã. Seríamos "salvos" por Chirac e sua corrupta RPR (Reunião pela República). Esse era o consolo que restava àqueles que lutaram contra a banalização promovida pela imprensa, contra a indiferença do cidadão comum e contra um socialismo que se quer palatável custe o que custar. Pretendendo ser moderno, esse tipo de socialismo é a reedição dos seus antepassados de salão, tão deliciosamente denunciados por Marx no Manifesto. Parece que sete anos depois, a esquerda do velho continente ainda não aprendeu a lição. Poderia fazer um curso intensivo na América Latina. Reaprender que nada substitui a ação política feita em sintonia com os movimentos sociais. O balanço das eleições de 2009 apenas confirma o que já se prenunciava em 2002. Onde a esquerda nasceu a direita continua nadando de braçada.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

copiado daqui: http://revistamuito.atarde.com.br/?p=1830



Confira trechos inéditos com o secretário estadual de Desenvolvimento Social e combate à pobreza, Valmir Assunção, o entrevistado da seção Abre Aspas, da edição da revista Muito deste domingo (06/6)

Tatiana Mendonça

>> O ENCONTRO COM O MST
Sou assentado em Riachão das Ostras, na cidade de Prado. Entrei no MST em 86. Antes disso, com 14 anos fui morar em São Paulo. Morei numa favela, trabalhei de ajudante de pintor de automóvel. Fiquei indo e vindo um bom tempo até que voltei para Nova Alegria, meu povoado, onde nasci e me criei, no município de Itamaraju. Conheci Itamaraju quando estava indo de ônibus para São Paulo (risos), com 14 anos. Minha família era muito pobre, eu não tinha dinheiro. Conheci Salvador quando vim fazer a negociação… Tivemos uma luta em Nova Alegria… É um povoadozinho que tem água da Embasa. Eu trabalhei de encanador da Embasa, depois de voltar de São Paulo. Toda a água de Nova Alegria eu fiz a encanação principal. Só que a barragem que fizeram é no lugar mais alto, e aí não chegava água. Eu entrei no grupo de jovem da igreja católica e era muito atuante. A gente construía casa, fazia mutirão, arrumava feira pros mais pobres… Eu devia ter uns vinte anos. Aí resolvemos fazer um boicote à Embasa e reunimos o talão para não pagar a água enquanto não tivesse água pra todo mundo. Foi quando vim conhecer Salvador. Viemos trazer os talões de água para entregar à Embasa. Só que mesmo assim a Embasa continuou cobrando… Isso criou um problema sério pra nós porque o grupo perdeu credibilidade. Depois de alguns anos Nova Alegria tem água em todo canto…Foi através desse grupo que eu conheci o MST. O dirigente do MST que estava na Bahia precisava de militante para mobilizar as famílias. E tinha que pegar a pessoa que tinha mais credibilidade no município. E eu fiz esse trabalo em Nova Alegria e em todo o extremo sul. Aí foi esse processo constante. Até hoje não tem como me desvincular. Estudei até a 8ª série em Nova Alegria, porque não tinha condição de estudar, não tinha estudo lá. Depois disso, agora no momento eu teria oportunidade…
>> JUVENTUDE
O governo criou as Conferências municipiais, o Conselho da Juventude, estabeleceu uma política para a juventude, no Estado, de capacitação da juventude pro mercado de trabalho, criou uma superintendência da juventude, então acredito que nesse aspecto se avançou muito. Lógico que boa parte da juventude gostaria que tivesse uma secretaria. E minha expressão lá foi nesse sentido. Sempre tive um trabalho com a juventude, então tenho que expressar o sentimento e a vontade desse segmento. Nós aqui na secretaria temos uma política pra juventude. Nós trabalhamos o protagonismo juvenil, a profissionalização. Temos projetos importantes, que me orgulham muito. Temos um convênio com uma ONG que capacita 400 jovens do centro histórico que ganham bolsa de R$ 100 e aprendem TV e vídeo. É a primeira vez que o Estado da Bahia faz um projeto desse. Essas pessoas são pobres, filhos de alguém que está no Bolsa Família, sobretudo negros. É o estado dando oportunidade para os excluídos se incluirem num ramo profissional que nunca foi para os negros. Em Alagados também temos 400 jovens que são capacitados na construção civil e como agentes de desenvolvimento social. E no Extremo Sul vamos lançar um convênio para 1.080 jovens, para capacitação no meio rural. Minha realização nisso é criar oportunidade para as pessoas.

>> MORADORES DE RUA
Queria falar sobre o desafio que é fazer com que as pessoas deixem de viver nas ruas. A prefeitura lançou a “Campanha Ajude de Verdade”, para que as pessoas deixassem de dar esmola e passassem a doar para o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Mas o fato é que falta uma rede de retaguarda para atender essas pessoas. No SUAS o Estado não pode executar políticas diretamente. Quem tem que executar é o município. Nós temos aqui um programa chamado Bahia Acolhe, lançamos no final do ano. É um esforço para acolher as pessoas que estão morando na rua. Nós estamos construindo com a prefeitura uma ação para dar uma oportunidade para os jovens das sinaleiras, que dormem nas ruas. Estamos construindo um CREAS (Centro Especializado de Assistência Social no Pelourinho).

>> CASE
Precisamos primeiro tirar os adolescentes de lá para essas duas casas de internação que serão construídas. Temos que ter uma estrutura no município de cumprimento da medida em meio aberto, que é a prestação de serviço à comunidade e a liberdade assistida. Nós co-financiamos e apoiamos os municípios nessa medida. O município ter isso é uma estrutura fundamental. O outro passo é a semi-liberdade, e nós vamos ter nas principais cidades do Estado. Essas casas podem ter até 20 adolescentes, com acompanhamento de técnicos. A semi-liberdade permite que ele estude normal. E na internação provisória, de 45 dias, queremos ter três centros: tipo Barreiras, Itabuna… Porque são cidades que têm uma quantidade muito grande de adolescentes que vem cumprir medida aqui. Essa estrutura nós montamos no Estado. 20 municípios assumiram as medidas de meio-aberto. Para isso funcionar tem que ter Conselho da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar.
>> Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
Na Bahia existia um duplo comando na assistência social, que tinha uma superintendência na Secretaria do Trabalho e na Secomp, antiga Sedes. Sem falar das voluntárias sociais, que também faziam esse trabalho. Na equipe de transição de Jaques Wagner, fez-se um diagnóstico para poder criar um comando único. No Sistema Único de Assistência Social cada esfera, município, governo estadual e governo federal, tem a sua responsabilidade. A do Estado é a capacitação, acompanhamento, fiscalização e co-financiamento. É uma política que tem o controle da sociedade civil. Por isso que os Conselhos de Assistência Social têm que funcionar. Temos Conselhos em 410 municípios. Sete municípios ainda não se habilitaram no SUAS. A Bahia tem 413 CRAS (Centros de Referência de Assistência Social), que é a porta de entrada da família para a assistência social. Nós co-financiamos os CRAS. O decreto fundo a fundo também foi muito importante, porque permite ao governo repassar os recursos do Fundo Estadual de Assistência Social para o Fundo Municipal, sem precisar fazer convênios com os prefeitos. É um fortalecimento do sistema.

>> TRAJETÓRIA POLÍTICA
Se você me pergunta: você está arrependido ou triste (de ter-se tornado secretário)? De jeito nenhum. Os espaços políticos que os trabalhadores tiverem condições de ocupar, tem que ocupar e dar o melhor de si para não frustrar as pessoas que sempre acreditaram em você. Eu tenho trabalhado aqui muito, porque tenho que superar minhas limitações. Tenho que trabalhar mais que os outros. E não posso decepcionar. Porque se aqui não der certo, as pessoas, os mal-intencionados da sociedade vai dizer que é porque eu sou analfabeto, vai dizer que é porque eu sou preto, pobre, é por isso. Vão dizer: “tá vendo, que não dá certo?”. Trabalho muito porque carrego essa responsabilidade no meu ombro. Por isso que tem que dar certo. É cada dia salvando um leão. Não é matando porque isso é crime ambiental. Tem que dizer salvando. (risos)