terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Recordar é viver!


Entrevista do Roda Viva com José Serra em 1995, quando ainda era Ministro do Planejamento, dando aula sobre modelo neoliberal:

domingo, 22 de novembro de 2009

Luiza Mahin de Volta às Lutas do Povo Negro!


Todo dia é dia da consciência negra, porque todo dia é dia de lembrarmos das lutas, levantes, revoltas, fugas, resistências ou negociações dos negros escravos, livres e libertos, que encontraram uma maneira de brigar pela sua liberdade, de buscar na esperança e na garra, o orgulho de vencer preconceitos e racismos cotidianos. 

Dia 20 de novembro não é somente dia de lembrar Zumbi, mais de todos e todas, do passado e do presente, que fez e faz malabarismos em busca de oportunidades, de igualdade, de reconhecimento da sua própria identidade e pertencimento racial tão dissolvido dentro da mentalidade de democracia racial e mestiçagem ainda fortes em nossa sociedade.

Falar de consciência negra é falar de Luiza Mahin, mulher negra batalhadora que cujo o nome prestigia mais ainda o nosso Centro Acadêmico, que tem entre uma das funções a continuidade da luta pela liberdade, liberdade essa não mais aprisionada pelas algemas que machucam o corpo, mas algemas que agridem a alma e a mente.

E como não falar de consciência negra sem falar da importância do nosso CAHIS e dessa nova gestão que iniciamos. Ganhar a eleição do Luiza Mahin um dia antes do dia da consciência negra, para nós do ATITUDE E RESISTENCIA, além de ser muito simbólico para a própria proposta de nossa gestão, nos remete a fazer uma breve analise da importância do centro acadêmico, do curso e da nossa própria formação enquanto professores e bacharéis de história. 

Para nós, ganhar a eleição depois de dois anos sem gestão e ter como principal argumento da oposição e agora antiga gestão, a acusação de que nossa pauta política se resumia somente à questão racial, de mulheres e LGBT, ao contrário do que muitos pensam, é sinal de orgulho. Isso significa um reconhecimento muito grande, significa que temos cara e temos voz. Somos aquelas e aqueles que sempre assumimos e defendemos um posicionamento no curso, sem recuar e sem medo de receber as conseqüências por isso.


Falar do dia da consciência negra é defender sempre as cotas raciais, é defender o curso noturno, que tem como maioria dos estudantes negros e negras, que outrora teriam dificuldade de cursar história no diurno, pois deles dependem o sustento da família, homens e mulheres que precisam trabalhar e estudar ao mesmo tempo, não para angariar um pouco de dinheiro a mais, mas porque desse trabalho depende a sua própria condição de freqüentar ou não a faculdade. É a garantia de mulheres e homens negros, antes com mínimas chances de adentrarem a universidade pública diante da concorrência desleal com os alunos brancos e classe média das escolas particulares. 

Mais do que isso, é pensar que a maioria da população negra neste país tem baixíssimos índices de escolaridade se comparados com as crianças e adolescentes brancos, até mesmo os brancos pobres, que tem mais chance de ascensão social do que os negros, porque apesar de serem pobres, o mercado de trabalho os absorvem mais facilmente do que os negros, porque o racismo no Brasil se comporta de forma perversa e subjetiva. 

Falar da questão racial em nosso curso é falar sobre as mulheres negras que não querem estar sujeitas as mais sutis formas de sexismo prevalecentes no Brasil. Falar de consciência negra é reivindicar e defender uma historiografia que não utilize de argumentos segregacionistas para a manutenção de uma mentalidade escravista .

Pensar sobre consciência negra é reivindicar um currículo menos eurocêntrico ou no mínimos mais livre para que os estudantes construam suas disciplinas sem muita imposição das obrigatoriedades curriculares.

É um conhecimento maior em história da África e da própria Ásia. E principalmente, a garantia de uma formação em licenciatura correlata com as necessidades escolares, porque falar de negras e negros, mulheres, lésbicas, gays e todo tipo de liberdade da expressão de sua orientação sexual é estarmos exercitando no dia-a-dia, dentro da convivência universitária, o exercício e o conhecimento de respeito as diferenças, diferenças estas que estarão em sala de aula. 

Porque nenhum aluno negro deve ser privado de conhecer a história do seu povo, suas negociações e resistências cotidianas na busca da liberdade. Nenhuma mulher deve ser privada do domínio do próprio corpo e ser rechaçada por professores, colegas e toda sociedade em geral, nenhuma mulher deve ser violentada verbalmente e fisicamente. Nenhum homossexual deve ser violado no exercício da sua livre orientação sexual. 

É por tudo isso que nós do ATITUDE E RESISTENCIA temos muito orgulho de sermos classificados como aqueles e aquelas que reivindicam um movimento estudantil que não compactue com a mentalidade racista, machista e homofóbica, e que isso não seja defendido somente nas bonitas palavras proferidas pelos militantes estudantis, mas que estes se reflitam nos espaços acadêmicos, no currículo do nosso curso, na própria formação de nossos licenciados e bacharéis de História.

Emanuela dos Santos "Manu" é estudante de História de 2008, militante do Atitude & Resistência

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

É festa!

O atitude e Resistência agradece aos 106 colegas que nos deram seus votos de confiança e garantiram nosso retorno ao Centro Acadêmico de história da UFBA- Luiza Mahin!

CAHIS de volta à luta, de volta pros estudantes!!!

domingo, 15 de novembro de 2009

Eleições CAHis 2009 - Universidade Nova: Universidade Popular?


2010 é ano de eleições para o novo reitorado da UFBA. O CAHis deverá incidir nessa disputa pautando a inversão de prioridades que a atual reitoria vem adotando na UFBA, colocando a Assistência Estudantil, a democracia interna, paridade nas eleições e a autonomia financeira, didático, científica e administrativa da universidade no centro do debate, no sentido de abrir um novo período de real democratização da Universidade, garantindo permanência, e a produção de conhecimento voltada para os interesses das classes populares, e não das grandes empresas financiadoras.

O CAHis precisa voltar a ter uma posição protagonista no movimento estudantil, disputando e construindo o DCE, se integrando às pautas comuns da UFBA, principalmente no que diz respeito a nosso maior desafio hoje: a implementação de uma política estrutural de Assistência Estudantil.

A Assistência Estudantil não pode ser encarada como um favor da Universidade prestado àqueles que precisam, e sim como uma política estruturante que perpasse por todos os aspectos da vida universitária, garantindo condições de sua permanência até o final do curso, oferecendo moradia, alimentação, saúde (física e mental), transporte, creche para as mães estudantes, condições básicas para atender os portadores de necessidades especiais; condições iguais de bom desempenho acadêmico fornecendo bolsas, estágios remunerados, ensino de línguas e informática, acompanhamento psico-pedagógico; fomentando a participação político-acadêmica; e democratizando o acesso à cultura, lazer, esporte e informação pertinentes a juventude como orientação profissional, informações sobre mercado de trabalho, sobre drogas, sexualidade, meio ambiente, política, ética, cidadania, etc.

É preciso termos em mente, no entanto, que nada disso nos será dado de graça. O impasse na abertura do RU simboliza a falta de vontade e de compreensão política da administração central frente a uma demanda que só tende a aumentar.

Da mesma forma a política de substituição das moradias estudantis por bolsa tipo 2, diz o tom do projeto político que está sendo implementado na UFBA. Assim como a conquista das cotas, que democratizou o acesso à Universidade, é somente com muita luta e organização que poderemos mudar a cara da nossa Universidade. Trazer as/os estudantes residentes, cotistas, e bolsistas para o movimento é fundamental para fortalecer qualitativamente o movimento, é por ter essa compreensão que nossa chapa tem militantes residentes, sendo uma mulher e um estudante do curso noturno. Essa é a hora, e esta é a geração que protagonizará a nossa luta por uma Universidade Democrática e Popular!

sábado, 14 de novembro de 2009

Eleições CAHis 2009 - CA em Movimento: Construir a UNE pela BASE!


A UNE tem mais de 70 anos de história de lutas, como na campanha do “Petróleo é Nosso”, na construção dos projetos de reformas de base do governo João Goulart, nas Diretas Já, no Fora Collor. Infelizmente, o grupo que está à frente da nossa entidade há mais de quinze anos, fez a opção de dirigir a entidade de forma cada vez mais institucionalizada, conciliatória, defensiva, antidemocrática e afastada da sua base. Isso num cenário de avanço das políticas neoliberais nos anos 90 e o conseqüente descenso das lutas sociais como um todo, faz com que a UNE seja cada vez menos reconhecida como entidade representativa por sua base social, os estudantes.

Devemos ter em mente, porém, que não existem soluções fáceis para os problemas pelos quais o movimento estudantil atravessa nos últimos anos. Acreditamos que a criação de qualquer entidade, ou outro tipo de espaço de articulação nacional não é a solução para esses problemas, pelo contrário, divide e enfraquece o movimento. Além disso, experiências desse tipo já não surtiram efeito em outras ocasiões e os motivos são muitos: o sectarismo, a forma maniqueísta de se tratar a questão, a partidarização do problema, a ilusória avaliação de que a base dos estudantes clamava por uma nova direção. Mais recentemente a tentativa de se criar uma nova entidade nacional acabou por reproduzir os mesmos problemas que encontramos na UNE: a hegemonia de uma única força política, a falta de democracia e transparência na escolha de delegadas/os, e principalmente, a falta de legitimidade na base.

O peleguismo de um lado, e o divisionismo do outro, se combatem com luta cotidiana na base. No próximo período o CAHis tem o papel de trazer a UNE para perto das/dos estudantes fazendo a disputa da UNE em cada mobilização, em cada luta encabeçada pela entidade. Duas grandes pautas da UNE devem dar conta de movimentar a base e recolocar a UNE no dia-a-dia das/dos estudantes, e o CAHis deve ser protagonista nesse processo de disputa e construção da nossa entidade nacional. 

A primeira delas é a Campanha Nacional da UNE em defesa dos 50% do Fundo do Pré-Sal para a Educação, na qual o CAHis deve se incorporar encampando também a pauta dos movimentos sociais no que diz respeito ao novo marco regulatório defendendo 100% do Pré-Sal para a Petrobrás, criando um Comitê da Campanha da UNE pelo Pré-Sal na UFBA junto às outras entidades de base e o DCE.
 
A outra diz respeito ao projeto de Reforma Universitária da UNE que completará um ano de aprovado no seu ultimo Congresso Nacional de Entidades de Base (CONEB) em Janeiro do ano que vem. Depois de muito tempo tendo uma posição reativa ao governo, se colocando no dilema entre ser contra ou a favor das propostas do governo, a UNE finalmente parte para uma posição propositiva e formula seu próprio projeto de Universidade. Porém, não basta aprová-lo, o projeto deve ser conhecido e debatido na base das/dos estudantes, e reverberar pela universidade. Construir a UNE na base é construir luta de verdade, e deve fazer parte da agenda política do CAHis construir e disputar a UNE em todos os espaços.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Eleições CAHis - Arrumando a Casa




Arrumando a casa

O Centro Acadêmico é um espaço de organização política dos estudantes. É através dele que o estudante comum faz com que seus interesses seja ouvidos, que seus projetos e idéias se tornem realidade. Mas nada disso funciona se não mudarmos radicalmente a relação da entidade com o curso, a começar pela política organizativo-financeira e pela política de comunicação.

Para conquistar tudo que queremos, precisamos de um C.A. realmente presente, ativo e antenado. Que se antecipe aos problemas que podem surgir. Nenhuma gestão pode ser invisível ao estudante; os coordenadores não podem restringir sua comunicação apenas a lista de e-mail, ou a frieza de um papel pendurado no mural, NÃO. Não podemos considerar isso como algo secundário, é preciso ter uma real política de comunicação, ou seja, que o Centro Acadêmico deve usar e abusar das passagens em sala, pois nada substitui o frente a frente com o estudante. Por tudo isso, propomos também a retomada das edições do Circuladô, nosso pequeno informativo semanal, e mais ainda, as edições mensais do jornal ARTESANAL, onde podemos aprofundar os debates que realizamos durante o ano.

Durante anos, por exemplo, o estatuto da nossa entidade foi referência para C.A.`s de todo o Brasil, mas hoje precisa ser atualizado, principalmente para atender o curso noturno. Uma assembléia de estudantes já aprovou um Grupo de Trabalho para discutir essas modificações, mas a atual gestão não convocou nenhuma reunião. É preciso que a futura gestão do C.A. leve isso a frente.

Para que qualquer gestão de Centro Acadêmico dê certo, o mínimo que podemos esperar é que sua política financeira ande corretamente. O C.A. precisa se auto-sustentar, ser transparente e desenvolver ações responsáveis para viabilizar as gestões da entidade ano a ano. Mas não foi isso que vimos nos últimos tempos. As duas últimas gestões da entidade sequer realizaram prestação de contas da gestão. Não queremos acreditar que houve má-fé, mas uma gestão que recebeu em 2007 recursos suficientes para dar cabo de mais de um ano de gestão deve, no mínimo, ter muita responsabilidade com as finanças, que no final de contas, estão a serviço do estudante.

Secretaria de Organização Interna

Organizar a Memória do CAHis

Disponibilizar as atas das reuniões no sítio

Finalizar o projeto de digitalização dos
documentos do CAHis


Digitalização dos textos das disciplinas

Secretaria de Comunicação

Reativar o jornal Artesanal e torná-lo periódico

Circuladô é pra ser semanal!

Manter e atualizar constantemente o site do curso

Disponibilizar uma pasta do CAHis na Xérox

Construir o Mural do ME

Um C.A. atuante de verdade deve contemplar, em sua gestão, tanto o debate político quanto o acadêmico. Nesse sentido, as gestões do Atitude e Resistência foram marcadas pela instituição da Semana do Calouro e da Semana de História. Atividades que se tornaram praticamente obrigatórias em qualquer gestão do CAHis devido a importância e sucesso das suas primeiras edições.

Além disso, a Revista de História foi um projeto feito em nossa gestão, com o intuito de proporcionar uma primeira oportunidade de publicação dos trabalhos das/os alunas/os da graduação, intergrá-los à produção de conhecimento do Programa de Pós Graduação em História (PPGH).

Acreditamos que o C.A. precisa criar espaços de intercâmbio entre graduação e pós-graduação, e por isso nos propomos a organizar um espaço mensal onde os alunos apresentem suas pesquisas, chamado “Café com História”. O C.A. precisa participar da construção do II Encontro de Novos Pesquisadores em História e do I Encontro dos Programas de Pós Graduação da FFCH, que acontecerão em 2010.

Especialmente agora que temos um curso noturno, habilitado apenas para a licenciatura, o nosso debate acadêmico não deve se restringir apenas à pesquisa histórica, mas também à formação de professores que é tão desprestigiada no nosso currículo. É por isso que a pauta da reformulação curricular deve ser prioritária para a próxima gestão do CAHis, não basta aumentar a carga horária de matérias da FACED para que a nossa formação seja direcionada a licenciatura, é preciso reformular o sentido dessas matérias que muitas vezes dialogam pouco com o curso de História e não formam adequadamente para sala de aula .

Por isso propomos:

- Organização da Semana do Calouro
- Organização da Semana de História com eixo temático escolhido pelos estudantes
- Organizar o “Café com História”
- Elaboração de projeto para concorrer ao PET (Programa de Educação Tutorial)
- Maior participação junto ao Conselho Editorial e ampla divulgação da Revista de História
- Atuação do CAHis junto aos realizadores do I Encontro dos Programas de Pós Graduação da FFCH e do II Encontro de Novos Pesquisadores em História


*Todas as propostas de atividades devem contemplar tanto o turno diurno quanto o noturno.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Eleições CAHis 2009- Atitude & Resistência - Chapa 1!!


Eis que começa mais uma eleição para o Centro Acadêmico de História Luiza Mahin, como não poderia deixar de ser, o grupo “Atitude e Resistência” se apresenta para este importante debate de idéias do nosso curso.

O “Atitude e Resistência” nasceu em 2002, fruto do esforço coletivo de vários calouros que decidiram reorganizar o Centro Acadêmico que não existia mais. Esse grupo foi responsável pela elaboração do estatuto do C.A., a recepção e realização da Semana de Calouras/os, a organização das primeiras delegações dos estudantes da UFBA para os encontros nacionais e regionais de História (ENEH’s e EREH’s).

A partir de então toda uma cultura de debate – e disputa – política se iniciaram no curso de História. Fizemos parte da Coordenação da FEMEH (Federação do Movimento Estudantil de História), organizamos o EREH 2007 em Salvador; demos início ao debate contra o machismo, o racismo e a homofobia, dentro e fora da Universidade e temos orgulho de termos participado do processo de aprovação do Programa de Ações Afirmativas da UFBA.

Também criamos vínculos de comunicação entre os estudantes, como o grupo de e-mails do curso; o jornal Artesanal, onde as discussões atuais e a opinião dos estudantes eram veiculadas; e o Circuladô, o nosso informativo semanal. Contemplamos o debate acadêmico, através da Semana de História e da construção do projeto da Revista de História, importante espaço de publicação da produção acadêmica discente e que vêm conquistando reconhecimento no decorrer das suas edições.

O Centro Acadêmico é antes de tudo um espaço político. O C.A., além de representar os estudantes, é onde estes discutem e se organizam politicamente. Sendo a representação de um dos vários setores organizados da universidade, o C.A. deve apresentar política a respeito de qual universidade nós queremos.


E isso não significa fazer assembléias a cada problema que surgir. O C.A. não pode ser apenas reativo, sendo pautado pelo governo, reitoria, etc. ele deve ser propositivo e para isso deve ter opinião formada.

Nesse sentido, é função do C.A. promover espaços de formulação e formação política para a entidade e para os estudantes. Para isso é fundamental que a gestão do CA tenha opinião, tenha cara, tenha identidade para dizer como estas discussões serão pautadas.

A Universidade que nós defendemos é aquela que dá acesso aos estudantes negros e cotistas, e é também a que garante a permanência destes estudantes. Para nós a Universidade deve ser um espaço onde as estruturas machistas não são reproduzidas, onde nós podemos andar livremente sem corrermos o risco de sofrer qualquer tipo de violência, seja ela moral, física ou sexual. A nossa Universidade deve ser um ambiente onde as lésbicas, gays e bissexuais podem expressar sua afetividade livremente, e que seja freqüentada por travestis e transexuais. Onde todos estes setores fazem parte do nosso currículo, da nossa produção acadêmica e dos nossos espaços de direção.

Estamos entre aqueles e aquelas que acreditam que a universidade deve ser socialmente referenciada; deve servir muito além dos seus muros, e que é fundamental nos articularmos com os movimentos sociais. Somente a partir daí, poderemos pensar na construção de uma outra hegemonia na sociedade.

Todas/os nós temos uma trajetória, a nossa foi marcada por muita luta e por várias transformações. Em 2005 passamos por uma primeira renovação, que deu ao grupo a face que tem hoje. Em 2009 é hora, mais uma vez, de renovar. A nossa chapa é a única composta por alunos de todas as turmas do curso desde 2005 até 2009. Somos também a única chapa que conta com estudantes da pós-graduação e do curso noturno. As mulheres são maioria na nossa chapa.

Isso é reflexo da nossa política diária de presença em todos os espaços do curso e principalmente de coerência com aquilo que defendemos. Para nós, não basta defender a ampliação de vagas na Universidade e a criação de cursos noturnos, é preciso estar ao lado desses estudantes, das suas dificuldades diárias e das suas bandeiras de luta. Essa prática não deve depender da presença nas entidades estudantis, nem tampouco ocorrer apenas no período eleitoral.

Esse ano nós do “Atitude e Resistência” chegamos às eleições do CAHis com energia renovada, certos de que já contribuímos muito para a nossa entidade, de que aprendemos com os nossos erros e acertos, e que estamos prontos para construir muito mais.


Bem vindas/os ao debate!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Das Kapital

Clicka na figura que ela aumenta!

sábado, 12 de setembro de 2009

sábado, 5 de setembro de 2009

HO CHI MINH – O TIGRE E O POETA*



Por Augusto C. Buonicore

Há 40 anos, no dia 3 de setembro de 1969, em plena ofensiva revolucionária, morreu o presidente Ho Chi Minh. A dor causada pela morte do velho líder derrubou as fronteiras impostas pelo imperialismo e, naqueles dias de luto e luta, o Vietnã passou a ser um só povo, um só país. Antes de morrer Ho havia escrito: “Após a minha morte é preciso evitar a organização de grandes funerais para não desperdiçar o dinheiro e nem o tempo do povo”. Mas, desta vez, o povo não atendeu seu pedido e lhe prestou uma grande homenagem. Em Hanói centenas de milhares de pessoas acompanharam seu funeral. E o poema que um dia dedicara a Lênin poderia muito bem lhe servir de epitáfio: “Agora ele converteu na brilhante estrela que nos ilumina o caminho da revolução socialista”.


A Indochina tem sido há milênios palco de lutas encarniçadas entre colonizadores e colonizados. No século XVI a Europa descobriu suas potencialidades econômicas. Primeiro vieram os portugueses e espanhóis, depois os franceses. Diante da resistência crescente dos povos da região, Napoleão III adotou uma política mais agressiva. Em 1897, a Indochina já estava “pacificada”, se transformando num protetorado francês além-mar.

A opressão colonial, no entanto, aguçava o espírito nacionalista e revolucionário do povo vietnamita. Neste período o centro da resistência aos colonizadores estava localizado na província de Nghe Thim. Seria ali que nasceria, no dia 19 de maio de 1890, Nguyen Sinh Cung, que mais tarde seria mundialmente conhecido como Ho Chi Minh.

A juventude de Nguyen foi marcada pela aventura. Aos vinte anos de idade matriculou-se numa escola de marinheiros e viajou pelo mundo afora. Esteve, inclusive, no Brasil. No ano da Revolução Russa, 1917, instalou-se em Paris, alterou seu nome para Nguyen Ali Quoc (o patriota) e entrou em contato com o movimento socialista. Após ler as teses de Lênin sobre a questão colonial e nacional passou a nutrir uma profunda admiração pelo líder revolucionário russo. “Queridos compatriotas, escreveu ele, era disso que necessitávamos, este é o caminho da nossa libertação”.

Três anos depois participou como delegado no Congresso do Partido Socialista Francês em Tours, no qual defendeu intransigentemente posições internacionalistas e criticou as posições vacilantes dos socialistas diante da questão colonial, apontando para a necessidade de unificar a luta dos operários pelo socialismo e a luta dos povos colonizados pela sua libertação nacional. Neste congresso nasceu o Partido Comunista da França e o jovem Nguyen se tornou um dos primeiros comunistas da Indochina.

Em fins de 1923 dirigiu-se a URSS, chegando em Moscou poucos dias após a morte de Lênin, que aprendera a respeitar ainda que de tão longe. Pelas páginas do Pravda demonstraria toda sua tristeza: “Lênin morreu! A notícia golpeou cada um de nós, como um raio ela se espalhou pelas ricas planícies da África e pelos verdes arrozais da Ásia. Os negros e os amarelos, é verdade, não sabem ainda com exatidão quem é Lênin nem onde fica a Rússia. Tudo fizeram para os impedir de saber. No entanto, foi passando de boca em boca que numa longínqua região do mundo, existe um povo que soube derrotar seus exploradores e que agora dirige ele mesmo seus assuntos sem precisar de patrões nem de governos gerais.”

Na Rússia participou ativamente do V Congresso da Internacional Comunista e foi logo após foi enviado à China para assessorar o Kuomitang – frente política-revolucioná ria composta de nacionalistas e comunistas. Ali organizou o Thanh Nien (Associação da Juventude Revolucionária do Vietnã), embrião do futuro Partido Comunista da Indochina. Durante a repressão desencadeada pelas tropas de Chiang Kai-shek contra os comunistas chineses, a direção do Thanh Nien se transferiu para Hong-Kong e Nguyen retornou a Europa.

No ano de 1929 delegados do Thanh Nien de todo o Vietnã se reuniram para discutir o futuro da organização e sua possível transformação em um partido de tipo leninista. Mas, divergências de ordem regionais levaram a uma cisão do Congresso e ao surgimento de dois partidos comunistas. Nguyen foi destacado para mediar o conflito e tentar a unificação destas diversas organizações em um único partido. Em fevereiro de 1930 realizou-se, sob sua coordenação, uma reunião na qual se decidiu pela unificação e criação de um Partido Comunista da Indochina unitário.

O avanço da esquerda na França, que culminou com a vitória da Frente Popular, trouxe novas esperanças para luta revolucionária no sudeste asiático. O governo francês decretou anistia e a legalizou do PC da Indonésia. Reascendeu-se, assim, o movimento de massas pela independência no qual os comunistas eram vanguarda. Mas, o período democrático durou pouco, pois com a queda do governo da Frente Popular, em 1939, uma violenta repressão desceu sobre o povo do Vietnã e o Partido Comunista foi colocado novamente na legalidade.

A China foi ocupada pelo Império japonês, aliado da Alemanha e Itália fascistas. Ho foi enviado novamente para assessorar as tropas nacionalistas e comunistas. Em 1940, quando seu próprio país foi ocupado, retornou para comandar a resistência armada e criou a Liga pela Independência do Vietnã, o Viet Minh - uma ampla frente antiimperialista.

No ano seguinte, quando retornou a China para estabelecer uma estratégia comum de luta contra a intervenção do Japão na região, acabou sendo preso pelas tropas de Chiang Kai-shek e passou quinze meses na prisão. Segundo ele: “os piores anos da sua vida”. Para não morrer escrevia poemas, que mais tarde seriam organizados sob o título Poemas do cárcere. Escreveu: “Se não houvesse o luto, a morte, o frio do inverno, / quem reconheceria o sol da primavera? / O acaso conduziu-me aos fornos da desgraça/ para fazer-me forte e de consciência rija”. Naqueles anos muitos acreditaram que ele estivesse morto, mas eis que reapareceu à frente do Viet Nihn. Nguyen – Seu nome agora era Ho Chi Mihn, que significava: “aquele que ilumina”.

Em 1945 a situação militar mais favorável permitiu a unificação dos diversos agrupamentos guerrilheiros do Vietnã num Exército de Libertação Nacional. No dia 23 de agosto os revolucionários tomaram Saigon e dois dias depois todo o país estava nas mãos do povo em armas. A revolução triunfara e Ho Chi Minh foi proclamado presidente. Na prisão havia escrito: “Aqueles que saem da prisão podem reconstruir um país ... / O verdadeiro dragão voará para fora”.

O imperialismo não permitiria que o Vietnã escapasse facilmente de suas mãos. Por isso fez de tudo para recuperá-lo. Em novembro de 1946 o exército francês assassinou cerca de seis mil vietnamitas e se reiniciou a guerra pela independência. Naqueles anos os ventos sopravam a favor da revolução asiática.

No final de 1949 a revolução antiimperialista na China saiu vitoriosa e os países sob hegemonia socialistas, encabeçados pela URSS, passaram a reconhecer oficialmente o governo de Ho Chi Minh. Estes fatos dão grande impulso à luta de libertação do povo do Vietnã e, em 1954, já havia sido retomado mais da metade do país. Neste mesmo ano ocorreu a maior batalha da guerra de independência em Dien Bien Phu, quando as tropas francesas foram definitivamente derrotadas. A revolução, novamente, vencia seus algozes. Afirmou Ho Chi Minh: “Para resistir aos aviões canhões de inimigos, tínhamos somente lanças de bambus. Mas nosso Partido era um Partido marxista-leninista, não enxergávamos apenas o presente, mas também o futuro e depositávamos confiança nas forças do nosso povo”.

Uma conferência, realizada em Genebra, aprovou um acordo de paz que estabeleceu a divisão do Vietnã e marcou eleições gerais, visando a unificação do país. Embora o presidente Ho soubesse que a resolução não era boa para o Vietnã ela, pelo menos, permitia uma trégua que seria benéfica para as forças revolucionárias e a reconstrução do Vietnã do Norte, destruído pelos longos anos de guerra.

O presidente Ho era um homem simples, sempre trajava seu velho uniforme caqui, sem divisas, e sandálias de camponês. Seu corpo, talhado nas grutas e florestas do seu Vietnã, não se adaptava facilmente ao palácio presidencial e preferia passar seus dias numa cabana de jardineiro. Todos queriam conhecer o presidente camponês e ele passava horas conversando com delegações de trabalhadores e, pacientemente, lhes explicava os objetivos da revolução.

A tão esperada eleição para a unificação do país não se realizou e logo se reiniciaram as provocações nas fronteiras do Vietnã do Norte. Em 1960 nacionalistas e comunistas do sul fundaram a Frente de Libertação Nacional, seus membros passariam a ser chamado pejorativamente de Viet Kongs. Cresceu o movimento democrático e nacional pela unificação do país, a situação do Vietnã do Sul se tornou insustentável e os EUA tiveram que aumentar seu envolvimento militar. Assim teve início um dos conflitos mais sangrentos da segunda metade do século XX e ao mesmo tempo uma das páginas mais belas da história da resistência dos povos por sua libertação.

Em 1968 o movimento contra a intervenção norte-americana do Vietnã atingiu seu auge. Nas manifestações que a juventude rebelada realizou nas ruas da França, Alemanha e Brasil podiam ser vistas fotos do velho líder revolucionário vietnamita. A partir de então o governo norte-americano, isolado politicamente, começou a realizar uma lenta e gradual retirada de tropas do Vietnã.

No dia 3 de setembro de 1969, em plena ofensiva revolucionária, morreu o presidente Ho Chi Minh. A dor causada pela morte do velho líder derrubou as fronteiras impostas pelo imperialismo e, naqueles dias de luto e luta, o Vietnã passou a ser um só povo, um só país. Antes de morrer Ho havia escrito: “Após a minha morte é preciso evitar a organização de grandes funerais para não desperdiçar o dinheiro e nem o tempo do povo”. Mas, desta vez, o povo não atendeu seu pedido e lhe prestou uma grande homenagem. Em Hanói centenas de milhares de pessoas acompanharam seu funeral. E o poema que um dia dedicara a Lênin poderia muito bem lhe servir de epitáfio: “Agora ele converteu na brilhante estrela que nos ilumina o caminho da revolução socialista”.

No dia 30 de abril de 1975 as tropas da Frente Nacional de Libertação irromperam vitoriosas em Saigon. No dia seguinte, 1º de maio, milhões de pessoas saíram às ruas do Vietnã para comemorar o dia internacional do trabalho e a libertação definitiva do país. No alto dos edifícios, sobre as selvas e grutas passou a tremular a bandeira vermelha com uma estrela dourada de cinco pontas, a bandeira da revolução, a bandeira de Ho Chi Minh.

Numa prisão chinesa havia escrito: “Uma noite sem dormir. Duas noites. Três noites/ Impossível dormir! Agito-me, angustiado. / Quarta noite, quinta noite. Será sonho? Vigília? / Cinco pontas de uma estrela enrolam em meus pensamentos”. Naqueles dias da libertação os sonhos do velho líder se transformaram em História.


* Esse artigo foi publicado originalmente no Sítio Vermelho quando dos 115 anos do nascimento de Ho Chi-minh

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Universidade e crise capitalista: a possibilidade de uma janela histórica


Há cinqüenta anos a universidade pública brasileira tenta se equilibrar sobre o desenvolvimento de uma das contradições mais importantes de sua história. A reivindicação da autonomia na definição de seus valores e objetivos se choca com a submissão a critérios de eficácia e produtividade de origem empresarial ou de responsabilidade social. Da dificuldade de resolver profundamente esta tensão, eclode em suas relações internas e externas uma crise institucional, que monopoliza as atenções e os propósitos reformistas e que coloca em cheque a universidade e seus serviços enquanto um inequívoco bem público.


A origem desta crise se dá no fim da década de sessenta, quando o endividamento externo resultante do processo expansionista de industrialização, reduziu o compromisso político do Estado com universidade, diminuindo sua prioridade nas políticas públicas e conduzindo-a a uma imediata secagem financeira e descapitalização. A conseqüência destes fatores, produto da concepção política do regime militar, levou, além de a um controle político da autonomia universitária, visando eliminar a produção e a divulgação de conhecimento crítico, à abertura da universidade ao setor privado nacional e internacional. As intenções do projeto de Reforma Universitária de 1968 estavam justamente na busca pela reestruturação e reorganização da universidade em par com a tentativa de inserção do Brasil no capitalismo associado-dependente. 



Esta situação se intensificou durante toda a década de 70 e, depois da crise do milagre econômico brasileiro, cujo efeito se tornou muito grave a partir de 1981-1983, com a dívida externa, as elevadas taxas de inflação e com uma profunda crise do Estado, a universidade passava por uma estagnação sem precedentes e caminhava, junto ao país, pela frustrante “década perdida”. No período de transição da ditadura à democracia, a busca e a afirmação da autonomia se conjugavam com a privatização e a crise financeira da universidade, tornando o grito pela liberdade invocado para justificar a adaptação às exigências da economia e a procura por novas dependências financeiras, sem dúvida, muito mais caras à instituição do que a dependência ao Estado. Era o período em que o neoliberalismo começava a se impor enquanto modelo de desenvolvimento econômico internacional. 


Na década de 90, outras duas crises mais antigas da universidade passaram a se concentrar sobre a crise institucional: a crise de legitimidade e a crise de hegemonia. A primeira gerada pela tensão entre a hierarquização dos saberes especializados por causa do acesso restrito e a reivindicação social e política à democratização e à igualdade de oportunidades, e a segunda gerada a partir da necessidade da sociedade em procurar e em exigir meios alternativos ao Estado para suprir a carência de novas possibilidades de formação, deixando de ser, a universidade, o único centro produtor de saberes. 


Sobre a crise de legitimidade, seu agravamento foi resultado de uma perda geral de prioridade das políticas sociais mantidas pelo Estado induzida pelo modelo econômico neoliberal. Foi a partir da imposição deste modelo que surgiu a idéia de que os problemas da universidade pública eram irremediáveis e que para solucionar todas as crises era necessária sua abertura ao mercado.. O resultado deste pensamento foi o desenvolvimento violento de um mercado de ensino altamente desregulado e a transferência de recursos humanos da universidade pública para o setor privado. 


Estava dada a mercadorização da universidade pública, que consistia em induzi-la a enfrentar a crise financeira gerando receitas próprias através de parcerias com o capital, privatizando parte dos serviços que presta, depois se transformando numa entidade que produz a si mesma como mercadoria. Isto ocorreu de duas formas: foi nesta década que se expandiu e se consolidou o mercado da educação a nível nacional e depois emergiu o mercado internacional, com lógica exclusivamente mercantil, defendido e levado a cabo como solução de todos os problemas da educação superior pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial do Comércio. Em relatório produzido em 2002, o Banco Mundial diz que para o Brasil o projeto educacional deveria priorizar a ampliação do mercado universitário, combinando a redução de custos por estudante e eliminando a gratuidade do ensino público. Obedecendo a este plano, o governo FHC viabiliza uma linha de financiamento de cerca de R$ 750 milhões para instituições de ensino superior através do BNDES com recursos oriundos do Banco Mundial, onde a grande maioria dos recursos seria investida em instituições privadas. 


Este projeto político-educacional que estava em curso, visava tirar a universidade da construção de um projeto de país e da produção de pensamento crítico e de longo prazo, tornando-a definitivamente vazia de preocupações humanistas e culturais. Não se teria mais acesso a universidade por meio da cidadania, mas através consumo. A educação não seria mais um direito e sim um produto. Estaria centrada agora no indivíduo e em pretensões individuais e não em interesses coletivos. As lutas pela democratização radical da universidade seriam abrandadas, a universidade formaria uma massa técnica, mantenedora do status quo. Não seria um possível obstáculo à expansão do capitalismo global. Estaria incapacitada para questionar a si própria. Para contrapor este modelo, seria necessária a construção de um novo projeto de nação, com pretensões tão amplas quanto o neoliberal, porém ideologicamente contrário, prezando pela cooperação e respeito à soberania entre os países e não por uma relação colonialista. 


Nesta primeira década, o século XXI traz fatos políticos e econômicos que podem apontar para uma possível nova etapa histórica para a universidade no país. As políticas implementadas a partir de 2005 somadas à crise do capitalismo global centrado no neoliberalismo que eclode em 2008, podem indicar a abertura de uma janela histórica, de retomada das lutas em torno da solução da crise de legitimidade e da crise institucional da universidade pública. A democratização do acesso através das cotas e da ampliação de vagas, com investimento financeiro, social e político do Estado pode reconstruir, assegurar e concretizar a universidade enquanto um direito social e ser a oportunidade para um processo de universalização, absorvendo membro de classes populares historicamente excluídas e criando um sentimento de anti-privatização. Estes mecanismos aliados a uma política de permanência podem reduzir cada vez mais a estratificação social internamente e garantir o pleno direito à vivência do ensino, da pesquisa e da extensão com igualdade de meios. O investimento e valorização da carreira docente e técnico-administrativo e a realização de concursos públicos para estes setores precisam acompanhar as atuais demandas por ampliação. 


A reorientação dos currículos do ensino médio e fundamental públicos precisa estar diretamente articulada com o ensino público superior. Uma nova forma de acesso para além do vestibular é necessária, mas também é necessária a valorização pública deste setor, se não todas as tentativas de democratização do ensino superior serão inócuas. 


O retorno à discussão sobre a autonomia da universidade se faz absolutamente necessário, não apenas a partir da autonomia nos contratos de gestão, mas uma autonomia profunda, que dê à universidade direito e poder de definir os rumos de suas pesquisas, da formação acadêmica e da docência.. A autodeterminação das políticas acadêmicas, dos projetos e metas das instituições universitárias e da condução administrativa, financeira e patrimonial só terão sentido se forem aliadas à transparência e participação democrática de todos os seus setores e de representantes da comunidade em todas as suas decisões. Os orçamentos também precisam ser debatidos, segundo o modelo do orçamento participativo. 


A reforma que tem se efetuado nos últimos cinco anos sobre a universidade brasileira, com a política de ações afirmativas, de reestruturação e expansão das universidades, a necessária e estruturante política de permanência que precisa ser desenvolvida, o novo vestibular e o incentivo ao alcance da tão sonhada autonomia, precisa estar inserida na construção de um projeto democrático e popular para o país e concatenada ao desenvolvimento de uma nova política que tenha como objetivo a soberania dos povos. A crise no neoliberalismo abre chance para uma reconstrução do Estado numa perspectiva democrática e a conjuntura política atual da América Latina torna possível a construção de um mundo multipolar, a partir dos avanços da integração regional que ainda não incidiu sobre a reforma necessária para as universidades latino-americanas. 



Outras reflexões em SANTOS, Boaventura S (2005). A Universidade no século XXI – Para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. Coleção questões da nossa época. Volume 120. 2ª Edição. São Paulo: Cortez e em CHAUÍ, Marilena (2003). “A universidade pública sob nova perspectiva”. Conferência de abertura da 26ª reunião anual da ANPED. Poços de Caldas, 5 de Outubro de 2003. 


Poliana Rebouças é estudante de Saúde Coletiva, militante da quilombo e diretora do DCE-UFBA

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Restaurante em São Lázaro já! E a preço popular!


Nessa segunda-feira, 31/08, os estudantes de São Lázaro se reuniram no pátio do PASL para defender a abertura de um restaurante na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, através do Feijão Popular, ato tradicional pela defesa de um restarante a preço popular em São Lázaro.

Com a abertura do novo PASL, o antigo pavilhão foi fechado juntamente com o restaurente. Assim como no início do ano, quando os estudantes se organizaram para exigir a solução dos problemas imediatos do novo pavilhão, mais uma vez os estudantes descem pro pátio desça vez para exigir restaurante em São Lázaro já! E a preço popular!

Organizado pelo Diretório Central dos Estudantes da UFBA e o grupo Atitude & Resistência, o ato fez parte da Campanha Universitária pela Assistência Estudantil, que realizará diversos atos e atividades pautando as demandas por Assistência Estudantil na nossa universidade. 

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Somos, sim, racistas


Em 2000, entre os 50 calouros de Direito na Universidade Federal de Sergipe, havia quatro negros, dos quais apenas dois se formariam. Ilzver de Matos Oliveira era um deles. Os quatro anos de curso não foram suficientes para que uma professora aprendesse a distinguir Ilzver de outro colega. “Ela não conseguia perceber que tínhamos um rosto peculiar e próprio, além da pele negra comum. Só depois percebi o quanto ela destruía a minha identidade e autoestima”, diz o hoje professor substituto na mesma universidade. “A discriminação no Brasil quase nunca é explícita. Somos culturalmente trabalhados para evitar conflitos.”

A trajetória de Ilzver, 29 anos, teria sido como a de muitos garotos nascidos em famílias pobres. Por sorte, um tio o apadrinhou e custeou dois anos de escola particular quando ele tinha 8 anos. Aos 18, prestou vestibular para Medicina na Universidade Federal de Sergipe. Não passou. Aos 19, novo fracasso. Na terceira tentativa, optou por Direito e entrou em 18º lugar. “A primeira ação afirmativa da minha vida foi a ajuda desse tio”, diz. Formado, ele concorreria a uma bolsa de pós-graduação da Fundação Ford. Oliveira cumpria os pré-requisitos necessários e, aprovado, tornou-se mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia e em Sociologia (pela Universidade de Coimbra). Além da função na universidade federal, hoje leciona na Faculdade Pio Décimo, também em Aracaju, e milita pelos direitos dos negros em Sergipe.

Em 2010, pela primeira vez a Universidade Federal de Sergipe reservará metade de suas vagas para alunos vindos do sistema público de ensino. Destas, 70% serão destinadas aos que se declararem negros, pardos ou indígenas. Além disso, em cada curso haverá uma vaga para portadores de necessidades especiais. O programa de ação afirmativa foi aprovado pelo Conselho da universidade e ficará em vigor durante dez anos.

Assim tem sido até hoje nas instituições públicas de ensino superior, onde os conselhos de ensino discutem os termos e aprovam o sistema de cotas – ou de bonificação – para grupos desfavorecidos. Facilitar o acesso a quem tem menos condições é o cerne das ações afirmativas.


Nos últimos 14 meses, o total de universidades que adotam algum tipo de ação afirmativa saltou de 69 para 93. Dentre elas, as que utilizavam algum recorte racial passaram de 55 para 67. Por recorte racial entenda-se a ação afirmativa dirigida não apenas a negros, mas também a indígenas (estranha e providencialmente suprimidos do debate “racial” das cotas). Este levantamento, atualizado até agosto de 2009, é resultado do trabalho de grupos da UERJ, da PUC-Rio, da Universidade de Brasília (UnB) e do CNPq, que monitoram as ações afirmativas no País.

João Feres Junior, coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, ligado ao Iuperj, detalhou ainda mais quais são e como se dividem os critérios das ações afirmativas nas universidades brasileiras (clique na imagem acima para ver o quadro). “Alguns programas têm por objetivo a promoção de somente um grupo de pessoas desfavorecidas, outros beneficiam dois, três, quatro ou até cinco categorias diferentes. E as categorias são também de natureza heterogênea: etnia, raça ou cor da pele, origem regional, renda e educação pública”, comenta.

Em meio a tantos critérios, moldados pelas características próprias dos locais onde estão essas universidades, um único aspecto tem sido capaz de, sozinho, dividir a comunidade acadêmica, gerar discursos inflamados, acirrar ideologias e ser questionado na Justiça: a identificação dos negros entre os beneficiados. Este é o ponto central da ação movida pelo DEM, o ex-PFL. O DEM quer que a Justiça proíba a matrícula dos alunos que entraram usando as cotas na UnB (a instituição usa apenas o critério etnorracial) e, mais que isso, declarar inconstitucionais quaisquer iniciativas que utilizem o critério de raça negra para conceder qualquer tipo de benefício.

A advogada Roberta Kaufmann, autora da ação, disse ter procurado diversos partidos políticos até encontrar eco a sua causa. Pupila de Gilmar Mendes, foi orientada pelo próprio presidente do Supremo Tribunal Federal no mestrado em que questiona a necessidade de ações afirmativas no Brasil. Conclui que é melhor ficar tudo como está. Pelo menos, no que diz respeito aos negros. Pobres, argumenta, ainda poderiam receber algum auxílio. O presidente do STF redigiu a apresentação do livro de Roberta, que trabalha no Instituto de Direito Público (IDP), do qual Mendes é sócio.

Apesar de ter negado a suspensão das matrículas dos cotistas, Mendes elogiou o trabalho da pupila e, em seu despacho, indicou concordar com a tese do DEM. O próximo passo será a discussão, em plenário, do mérito da ação, que dificilmente ocorrerá neste ano.

“Há um descompasso entre a prática das ações afirmativas e o estardalhaço quanto a elas na mídia e em algumas instâncias da Justiça”, avalia Fúlvia Rosemberg, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e responsável pelo programa de bolsas de pós-graduação da Fundação Ford. “O Brasil oferece acesso preferencial e benefícios a muitos grupos, mas esperneia-se nas universidades públicas porque são um reduto das elites.”

No debate contra ou a favor das cotas para negros, diz a pesquisadora, não se discute o racismo de hostilidade e ofensas, mas um processo sutil de discriminação baseada em desigualdades com base étnica e social. Um padrão de segregação racial informal, mediado pelo nível socioeconômico.
Entre os 25 mil alunos da UnB, há 3.225 cotistas. No vestibular, 20% das vagas são destinadas a negros, independentemente de terem vindo de escolas públicas ou privadas, que concorrem entre si. Como em todas as demais universidades, a adesão às cotas é voluntária. “Em alguns cursos, a nota de corte dos cotistas é mais alta que a dos demais e a maioria é de baixa renda. Para a UnB, as cotas são um ato político”, defende o professor de antropologia José Jorge de Carvalho, que ajudou a implantar as cotas na universidade. Em termos de desempenho acadêmico, não há grande diferença no rendimento anual dos alunos da UnB em geral. Na Universidade Federal da Bahia, onde as cotas foram criadas em 2005, os alunos negros já representam 75% do total.

A Unicamp tem uma experiência diferente. Não existem cotas e, sim, bônus na pontuação do vestibular. Numa prova que vale 500 pontos, alunos oriundos da escola pública ganham 30 e se forem negros, mais 10 pontos. A ideia surgiu da observação do desempenho desses alunos na vida acadêmica. “Os pontos de bônus apenas corrigem as distorções do vestibular. Tornam mais competitivos os alunos que, lá na frente, terão melhor desempenho”, explica Leandro Tessler, assessor da reitoria. Em mais da metade dos cursos, os alunos que receberam os bônus têm médias melhores. “É importante unir inclusão social a desempenho acadêmico. Tudo o que eu não quero é uma lei me obrigando a implantar cotas, pois elas não consideram as demandas dos cursos.”
Como a experiências são recentes, ainda é cedo para dizer qual será o futuro das ações afirmativas no País. Nos Estados Unidos, duraram cerca de 50 anos. Até hoje é legal o uso da etnia como critério para ações afirmativas, mas desde 1976 não há mais cotas nas universidades, ainda que a raça possa ser considerada na seleção. Na Califórnia, desde 2003 os bônus são analisados caso a caso.

“As cotas têm o fator positivo de dar um tratamento de choque ao forçar a sociedade a pensar em um tema real, a discriminação e o racismo. Mas não deixam de ser uma forma de discriminação, mesmo que positiva”, ressalva o educador e psicólogo da USP, Yves de La Taille. “É sempre delicado separar as pessoas pelo que for, fere a ideia de igualdade, por isso as cotas poderão gerar inclusão ou reforçar a discriminação.”

Para além dos corredores das universidades, há outra mudança em curso no Brasil no que diz respeito à raça e cor. É o que defende o pesquisador do Ipea e do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade da UFRJ, Sergei Soares. Ele analisou recortes de população da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, e notou que, entre 1996 e 2001, começou um processo de mudança em como as pessoas se veem e como se declaram para os pesquisadores (clique na imagem acima para ver o quadro). “Elas passam a ter menos vergonha de dizer que são negras. Isso antecede as cotas e continua até hoje.” Soares argumenta que o impacto numérico das cotas é muito pouco relevante na população brasileira, comparado ao do ProUni, o programa federal que dá isenção fiscal a faculdades privadas que oferecerem bolsas a estudantes de baixa renda inscritos no programa.

Para o ministro da Secretaria Especial de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, Edson Santos, os principais temores daqueles que se diziam contras as cotas nas universidades caíram por terra. “Não caiu o nível da produção acadêmica, não gerou confrontos nem conflitos de raça, e não há desvantagem para os não-negros, pois as cotas são sociais, com um recorte racial.”

Antes de chegar ao STF, a Justiça dos Estados onde há cotas tem lidado com questionamentos. Muitas vezes, alunos alegam ter sido injustiçados ao perder a vaga para um cotista. Um levantamento publicado no Estado de S.Paulo mostrou que na maioria dos casos o Judiciário tende a rejeitar as alegações e a considerar o sistema constitucional. Exceções têm ocorrido no Rio Grande do Sul, onde o critério de renda tem dado vitórias aos opositores da ação afirmativa.

Phydia de Athayde

domingo, 23 de agosto de 2009

Os limites para o avanço da democracia na UFBA hoje

A mudança no estatudo e o movimento estudantil


A Universidade Federal da Bahia se prepara para as mudanças do seu estatuto. No mês passado foi enviada às congregações e repassada às conselheiras e aos conselheiros, a minuta que apresenta as modificações pretendidas pela reitoria. A proposta saiu de uma comissão ad hoc indicada pela reitoria, composta pelos professores Antônio Paulo (ICS), Ricardo Carneiro (FÍS) e Aurélio Lacerda (LET).

O documento surge em um momento crucial, onde o debate de autonomia volta ao cenário nacional e alcança os limites da falta de regulamentação. No momento em que a universidade brasileira se reestrutura internamente e se planeja estrategicamente, a disputa de projetos reacende os debates.

A proposta da reitoria, no entanto apresenta elementos que comprometem o avanço da democracia na universidade, da incorporação da população na sua condução e nos impõe a necessidade de disputar esse projeto para os rumos da universidade democrática e popular.

As considerações acerca no novo estatuto ultrapassam o limite dos artigos que compõe a proposta. É preciso interferir no projeto estratégico que se configura hoje para a nossa universidade. As linhas do documento refletem limitações graves para o próximo período. O movimento estudantil deve encarar esse processo enquanto oportunidade histórica para o avanço da democracia na universidade, para a superação do engessamento interno dos órgãos da universidade e para uma virada política que o aumento da participação dos movimentos sociais pode imprimir a partir da ampliação de nossa intervenção.

A mudança estatutária incorpora a limitação da universidade em comportar as mudanças ora vividas, não apenas em âmbito local, mas em nível nacional, e que interfere significamente nas condições observadas no processo de ampliação de vagas e interiorização do ensino superior. Não absorve, e até deixa de observar, a necessidade de imprimir uma gestão democrática da instituição com garantia da autonomia universitária, aliada a ampliação da participação da sociedade civil e dos movimentos sociais.

Não há condições para o avanço do debate sobre autonomia universitária sem encarar os limites da participação de alguns os setores da universidade na estrutura hoje vigente. A gestão democrática é condição fundamental para o fortalecimento da universidade e para o combate aos interesses conservadores que a disputam. A paridade nos órgãos colegiados e comissões e na eleição para dirigentes deve ser colocada em pauta pelo movimento estudantil.

No debate sobre financiamento, a autonomia financeira pretendida não deve sobrepor o limite da gestão financeira. A universidade pública deve ser financiada pelo Estado, garantido o seu caráter gratuito e sua responsabilidade social. Atualmente, a exploração do investimento privado na universidade via fundações de apoio tem provocado uma distorção no caráter público das atividades realizadas, sobretudo em ensino e pesquisa.

A universidade deve ampliar a relação com a população, extrapolando os parcos projetos de extensão, ampliando-os, e alcançando o ensino e a pesquisa.

O orçamento da universidade deve caminhar para uma proposta participativa, que envolva os diversos agentes interessados no fortalecimento da educação pública, com participação democrática para as representações.

Outra mudança grave: a nova composição do Conselho Universitário pretende retirar a participação da comunidade baiana do seu colegiado. Hoje, três representações oriundas de diversas organizações da sociedade civil são indicadas através de votação a compor o Conselho Universitário. Nos últimos anos, participaram destas cadeiras representantes da direção do MST e da Marcha Mundial de Mulheres, para ter dois exemplos. A proposta de retirar essas representações do espaço decisório da universidade é absurda e reflete o pouco comprometimento do projeto com a participação popular.

Na proposta em discussão, há um elemento dissonante com o fortalecimento institucional. A assembléia universitária perde o seu caráter deliberativo, passando a proceder bienalmente uma avaliação institucional da universidade ou fazer recomendações sobre assuntos de alta relevância. Deve-se observar a inoperância do antigo modelo de assembléia, que as pessoas mais antigas não têm memória de uma única sessão. No entanto, deve ser um momento de imprimirmos o debate acerca dos limites da nossa participação nos conselhos superiores e a necessidade de democratizar o espaço institucional. A assembléia universitária tem sido um espaço importante de mobilização e debate em outras universidades do Brasil e a UFBA deve incorporar essa demanda.

Outra proposta polêmica é a criação do Conselho Consultivo Estratégico. A minuta apresenta a composição de um espaço, também de procedência bienal, composta pelo reitor, mais 25% de representantes do governo nas esferas federal, estadual e municipal, 20% de empresas financiadoras de atividades em educação e pesquisa, 20% de representações diversas como ex-reitores, ex-alunos, doutores honoris causa, sobrando 10% para as entidades representativas de cada setor da universidade e nenhuma participação dos movimentos sociais de fora da universidade. Esse conselho avaliaria o Plano de Desenvolvimento Institucional da universidade recomendando metas, objetivos, ações, programas, que viabilizassem cada projeto interessado.

O risco do estabelecimento de um espaço como esse é possibilidade do CCE pautar o projeto estratégico da universidade, entre agentes que representam interesses diversos, contraditórios muitas vezes com a popularização do ensino público, além de interventores diretos do capital privado através das agências de fomento á pesquisa. Alguns setores da universidade já apontaram rejeição à participação de agências de financiamento, preocupados com a intervenção ainda mais direta destas sobre as condições e os rumos da pesquisa na universidade.

A sessão conjunta dos conselhos superiores (Universitário, de Ensino, Pesquisa e Extensão e Curadores) ocorrida no último dia 14 foi tomada pelo debate acerca do estreito calendário proposto pela reitoria, que já naquela reunião previa a aprovação de algumas mudanças. A maioria das conselheiras e dos conselheiros que participaram da sessão exigiu uma ampliação do prazo para o melhor aproveitamento do processo, com melhores condições para que as unidades e entidades intervenham no projeto. O resultado foi a constituição de uma comissão composta pelos três setores da universidade que participarão da compilação das contribuições encaminhadas até o período de 21 a 30 de setembro, apresentando para as sessões seguintes o resultado, devendo se estender até novembro.

O Diretório Central dos Estudantes encaminhou o debate para o Conselho de Entidades de Base do próximo dia 22, devendo os centros e diretórios acadêmicos convocar as assembléias de curso durante as próximas semanas para garantir a mobilização e intervir nos órgãos colegiados. Nas próximas semanas o debate se espalhará por toda a universidade tornando-se pauta para atividades próximas do DCE e das entidades de base. O Sexto Congresso de Estudantes da UFBA que ocorrerá entre os dias 17 e 20 de setembro deve aglutinar o amplo debate acerca da autonomia universitária e as bandeiras do movimento estudantil para o processo de mudanças na universidade.

A defesa do caráter público, gratuito, autônomo, da nossa instituição deve ser levado às assembléias, conselhos, congregações e ultrapassar os muros da universidade, trazendo a ampliação da participação dos movimentos sociais e agentes da sociedade civil na gestão do patrimônio público e avançando na luta por uma universidade democrática e popular.

Eduardo Ribeiro "Dudu" é Coordenador Geral do Diretório Central dos Estudantes-UFBA e membro da Quilombo.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A direita joga verde



Não sei se a senadora Marina Silva já decidiu se fica ou sai do PT, se disputa ou não a presidência da República. Mas sua eventual candidatura já está sendo comemorada pela direita brasileira.

O troféu da babação foi para Danuza Leão, autora de um artigo intitulado “Quem tem medo da doutora Dilma” (Folha de S.Paulo, 16 de agosto). Segundo Danuza, “não existe em Dilma um só traço de meiguice, doçura, ternura (....) Lembro de quando Regina Duarte foi para a televisão dizer que tinha medo de Lula (....) Não lembro exatamente de que Regina disse que tinha medo, mas de uma maneira geral era medo de um possível governo Lula. Demorei um pouco para entender o quanto Regina tinha razão. Hoje estamos numa situação pior, e da qual vai ser difícil sair, pois o PT ocupou toda a máquina, como as tropas de um país que invade outro. Com Dilma seria igual ou pior (...) Minha única esperança, atualmente, é a entrada de Marina Silva na disputa eleitoral, para bagunçar a candidatura dos pe tistas (....) Seja bem-vinda, Marina. Tem muito petista arrependido para votar em você e impedir que (...) Dilma Roussef passe para o segundo turno”.

De maneira menos boçal, variantes deste raciocínio foram matéria de capa da Época (“Marina embaralha o jogo eleitoral de 2010”), da IstoÉ (“o Brasil não é só PT e PSDB”), bem como de textos publicados em Veja (que ainda não deu capa) e outras publicações.

Os que comemoram, não acreditam e geralmente não desejam que Marina possa ser presidente; acham apenas que ela pode atrapalhar uma terceira vitória do PT. Ou seja: sua candidatura é vista como linha auxiliar do PSDB, mais ou menos como o Partido Verde se comporta em vários estados do Brasil.

Como ficaria mal falar isto de maneira explícita, a grande imprensa faz três movimentos diversionistas: a) apresenta Marina como candidata de quem “manteve viva a utopia”; b) destaca a importância de incluir o meio ambiente no debate presidencial; c) diz que o Brasil deve escapar da falsa polarização entre PT e PSDB.

A verdade é que a direita não se incomoda com a defesa das utopias e do meio ambiente, desde que essa defesa não se materialize em atos de governo. Por isso, dirão o que for necessário para impedir uma vitória do PT nas eleições de 2010, pois sabem muito bem que nesta quadra da história não haverá presidente de esquerda, nem defesa efetiva do meio ambiente, sem o Partido dos Trabalhadores.

Neste sentido, a crítica à “falsa polarização PT e PSDB” tem o mesmo objetivo daquele discurso que fala que não existem mais diferenças ideológicas: quem se beneficia de ambos é a direita, que opera nos marcos do senso comum e das personalidades, não precisando demarcar diferenças, nem construir organizações coletivas.

Infelizmente, existem setores do PT que alimentam este discurso. Por exemplo, não por coincidência, a senadora Marina Silva, que em artigo intitulado “Renda básica na política” (FSP, 9/2/ 2009) defende que PT e PSDB, que “têm sido as forças mais estáveis no comando do país”, se unam “pelo resgate da política e por meio de um alinhamento ético”. Política de alianças adotada no Acre, segundo consta.

Acontece que estes dois partidos organizam a disputa política brasileira, exatamente porque representam dois projetos nacionais opostos e contrapostos: o neoliberal e o democrático-popular. Não é a disputa entre PT e PSDB que cria esta contraposição; é esta contraposição na vida real (algo que nossos velhos chamavam de luta de classes) que se traduz na disputa política entre os dois partidos.

Que a disputa às vezes assuma formas mesquinhas, rebaixadas, pouco claras ou elegantes, é outro assunto. Mas enquanto aquela contradição de projetos for dominante na sociedade brasileira, enquanto petistas e tucanos representarem projetos opostos, não haverá aliança estratégica entre eles.

Neste sentido, quem tiver a ambição de construir uma terceira via entre PT e PSDB, viverá o mesmo dilema do PSOL em 2006: no segundo turno, dividir-se entre Alckmin e Lula. A direita sabe disto e joga verde apenas para colher serra. Motoserra.

Valter Pomar é secretário de relações internacionais do PT

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Bolívia: "A direita ainda não foi derrotada economicamente"



Em entrevista ao Le Monde Diplomatique da Bolívia, dirigido por Pablo Stefanoni, o vice-presidente Álvaro García Linera analisa o atual momento político do governo Evo Morales. Linera destaca as vitórias políticas e eleitorais do governo, mas adverte: "a direita sofreu um golpe político, perdeu o mando do Estado, perdeu a capacidade de seduzir estatalmente à sociedade, mas tem muito poder econômico ainda. É diferente a forma de consolidação do ponto de bifurcação quando é o setor popular o derrotado, política e materialmente, que quando se trata do setor empresarial".

Le Monde Diplomatique Bolívia

- Como explica o enfraquecimento da oposição depois de mais de dois anos de prova de força com o governo?”

Álvaro García Linera: O governo do presidente Evo viu a Assembléia Constituinte como apossibilidade de armar um grande bloco coletivo de todas as forças sociais do país. Nos jogamos de cabeça nesse projeto de pacto. Internamente no seio do povo, havia que coesionar o bloco popular, com muitas dificuldades, porque havia muita diversidade corporativa e em seguida havia que dar o passo seguinte de abertura para os outros setores sociais opositores, minoritários, mas importantes. E nisso demos mostras de vontade de flexibilizar posições políticas, de ceder em demandas e de incluir a todos. Mas o bloco social opositor havia definido uma estratégia de bloqueio ou de suspensão constituinte, isto é, de irresolução da estrutura de poder, e optou pela rejeição dos pactos constituintes várias vezes. Seu objetivo consistia em prolongar a crise do estado iniciada em 2000, enfraquecendo ao governo na espera de um momento em que a correlação de forças lhe fosse favorável para a resolução da crise. E nós, ainda assim, insistimos.

O debate sobre os chamados “dois terços”, no final de 2006, foi um primeiro ensaio do que estava em jogo e da decisão de um setor que não estava disposto a aceitar sua posição de minoría política democrática. Nos dois terços e no tema da onipotência da Constituinte cedemos, recuamos, mas ao mesmo tempo, como contrapartida, avançamos na consolidação de uma maioria social e política que também se convertia em uma maioria decisória constituinte. O segundo grande momento de confrontação foi o tema da capitalidade de Sucre. Desenterrou-se um tema centenário, causador da guerra civil de 1899, como ponta de lança para voltar a suspender a Constituinte. Ai o bloco opositor, cívico-prefeitural de direita, nos mostrou que estava disposto a tudo, inclusive a colocar em risco a vida de constituintes contanto que conseguisse inviabilizar a possibilidade de um pacto nacional constituinte. E nós, frente a esse cenário voltamos a fazer grandes concessões.

Visto à distância, a direção cívica sucrense, que era empurrada pelas elites cruzenhas, estava obtendo uma grande quantidade de conquistas: quase um terço das sessões do Congresso em Sucre, os escritórios do Defensor do Povo, da Procuradoria, talvez da Corte Nacional Eleitoral, um conjunto de instituições que lhe davam uma relevância administrativa e econômica em Sucre, além de uma viabilização mais rápida de um conjunto de obras de infraestrutura. Mas eles tampouco aceitaram. E comprovando que não havia nenhum interesse de fazer um acordo, mas de antagonizar indefinidamente, nos lançamos à aprovação da Nova Constituição, primeiro em Calancha e em seguida já em Oruro. Isto é, resolvemos definir pela via das maiorias constituintes a estrutura do poder estatal.

- Nesse momento você falou de um “ponto de bifurcação”.

Álvaro García Linera: Sim vou chegar ai. Apesar de tudo isto, fizemos uma nova tentativa, fomos buscar a Rubén Costas, a Leopoldo Fenandez na sua fazenda, fomos buscar a Branko Marinkovic e por último propusemos ao pessoal de Jorge Quiroga um processo de destravamento. Aí vimos, de maneira inquestionável, que havia um setor minoritário que ia impedir por todos os meios a solução, através do projeto nacional-popular, da crise estatal iniciada em 2000. Claro que nós precisávamos da Constituinte para constituir o novo Estado, para ancorar nas instituições e relações de mando duradouras do Estado, a nova correlação de forças conseguida pelo movimento indígena-popular no ciclo de mobilizações de 2000-2005. No fundo, uma Constituição, o que faz é solidificar uma série de pontos de apoio irreversíveis, de conquistas e mandos conquistados historicamente pela trama das lutas de poder de uma sociedade.

A prova final dessa vontade de confronto da oposição minoritária de direita veio quando se lançaram à convocação das consultas departamentais sobre os estatutos autonômicos a ser realizadas em maio de 2008. Tratava-se de uma busca de disputa de fato pelo poder político regional, de um tipo de poder dual regionalizado ou de cisão vertical antagonizada da estrutura do Estado. Chegando ai, não haveria ponto de retorno: a direita não estava disposta a ser incluída no projeto nacional-popular como força minoritária e dirigida, e optava pela conflagração territorial. A luta pelo poder se aproximava do momento de sua resolução bélica ou última, na medida em que em última instância, o poder do Estado é coerção. A isto é que denominamos de “ponto de bifurcação” ou momento em que a crise do Estado, iniciada oito anos antes, se resolve seja mediante uma restauração do velho poder estatal ou mediante a consolidação do novo bloco de poder popular. É o momento de inicio da nova ordem estatal de maneira autoproducente. E tudo isso mediante o desatamento, a mensuração ou a confrontação de força aberta dos dois blocos polarizados. O ponto de bifurcação é o momento excepcional, curto em sua duração, primário, mas decisório, em que o “príncipe” abandona a linguagem da sedução e se impõe por suas táticas bélicas de coerção.

Então já era questão de tempo a chegada desse dia de força e nós, entre maio e setembro de 2008, nos preparamos para esse momento. Foi um momento bélico ou potencialmente bélico. A direita golpista realizou suas consultas e iniciou gradualmente a conformação de pequenos poderes regionais que desconheciam ao governo. Nós entendemos esse sinal e nos jogamos em uma estratégia envolvente, como a chamam os militares. Tanto pelo lado dos mecanismos coercitivos do Estado, como pela via da mobilização social. Em maio se faz uma análise com as organizações sociais e com as próprias Forças Armadas, avaliando os principais riscos que havia no país e se instrui a preparação de planos de contingência diante da eventualidade de uma radicalização da estratégia golpista da direita.

Nesse momento se faz um primeiro plano de contingência de uma grande mobilização na defesa da democracia que não se executa, mas que já estava elaborado, tanto no plano social, como no militar. Em agosto, apostaram numa derrota eleitoral do governo, a fim de tirar-nos legitimidade democrática, mas ganhamos o referendo revocatório. Longe de retroceder no apoio democrático, o governo incrementou sua aceitação de 54% do eleitorado a 67%, consolidando uma maioria social em todo o território nacional, incluindo em regiões anteriormente dominadas pela oposição. Isso enlouqueceu à direita. Depois de dois anos de estratégia de bloqueio constituinte, agora pretendiam uma rápida recuperação do poder, começando do âmbito departamental. Mas o referendo revocatório ampliava a legitimidade nacional do governo do presidente Evo e irradiava a força política do bloco indígena-popular para a totalidade dos nove departamentos. Em vez de entender o momento, a direita decidiu atacar.

As regras da guerra e da política, que é a continuação da guerra por outros meios, ensinam que quando um opositor é forte não deve ser atacado diretamente e quando um exército é débil nunca deve promover nem aceitar encarar uma batalha diante de um adversário mais forte. A direita fez exatamente o contrário deste ABC da luta pelo poder. Enlouquecida, se lançou ao confronto, no momento de maior fortaleza político-eleitoral do governo e de maior incerteza da existência da base de apoio da direita e ai começou sua derrota.

Depois dos resultados do referendo aprovatório em agosto, o bloco cívico-prefeitural começou uma escalada golpista: invadem as instituições, esperamos; atacam a polícia, esperamos; destroem e saqueiam as instituições públicas em 4 departamentos, esperamos; desarmam a soldados, esperamos; tomam aeroportos, esperamos; destroem gasodutos, esperamos. Eles mesmos se lançam, desarvorados, a um beco sem saída. Usam a violência contra o Estado, dando a justificativa moral de uma resposta contundente do Estado contra eles, que começou a ser desatada em uma escala gigantesca; além disso, à medida que incendeiam e saqueiam instituições públicas se deslegitimam diante da sua própria base social, ficando em poucas horas como um punhado de violentos destruidores da institucionalidade.

- Aí acontece o de Pando

Álvaro García Linera: O prefeito desata o massacre de Pando, em uma tentativa de dar um sinal de punição dura aos líderes populares... e este ato acabou com a tolerância da totalidade da sociedade boliviana. O massacre de camponeses igualará aos prefeitos com seus mentores, Sánchez de Losada ou García Mesa e colocará nas mãos do Estado a obrigatoriedade de uma intervenção rápida, contundente, na defesa da democracia e da sociedade. E sem duvidar um segundo, atacar o elo mais fraco da cadeia golpista, Pando. Se tratará do primeiro estado de sítio na história boliviana ditado na defesa e na proteção da sociedade, encontrando o pleno apoio da população horrorizada pela ação dos golpistas, deterá em seco a iniciativa cívico-prefeitural, dando lugar à sua retirada desordenada. É o momento de uma contraofensiva popular, cuja primeira linha de ação serão as organizações sociais e populares do próprio departamento de Santa Cruz. Não apenas camponeses e colonizadores se mobilizaram, mas também gente dos bairros plebeus de Santa Cruz e especialmente jovens urbanos, que em memoráveis jornadas de resistência às bandas fascistas, defenderão seus distritos e quebrarão o domínio clientelístico das logias cruzenhas.

A contundência e a firmeza da resposta político-militar do governo contra o golpe, somada à estratégia de mobilização social em Santa Cruz e para Santa Cruz, criou uma articulação virtuosa social-estatal poucas vezes vista na história política da Bolívia. Essa era a dimensão e a extensão geral do “exército” e das “divisões mobilizadas” contra o golpe. Essa era a força de choque que o projeto indígena-popuar desatava para o momento decisório de força. A direita avaliou suas forças de choque isoladas e em debandada, comprovou a vontade política do mando indígena-popular que estava disposto a tudo e preferiu abdicar de seus propósitos e se render. Desta forma, se fecha o ciclo da crise estatal, da polarização política e se imporá, em uma medição bélica de forças, a estrutura duradoura do novo Estado.

Algo parecido aconteceu em 1985, quando mineiros, que eram o núcleo do Estado nacionalista, se renderam diante das divisões do exército que resguardava o projeto neoliberal. Hoje correspondeu ao bloco empresarial-latifundista assumir a derrota e dar passo a uma nova correlação de forças políticas da sociedade. A seu modo, setembro-outubro de 2008 terá o mesmo efeito estatal que a derrota da “marcha pela vida” dos mineiros em 1986. Só que agora será o bloco plebeu quem festejou a vitória e as elites endinheiradas terão que assumir sua derrota histórica. O que virá depois será a validação político parelamentar desse triunfo popular. Apoiados nas vitorias eleitorais e militares, o governo indígena-popular levará à consagração institucional da correlação de forças conseguida no momento do “ponto de bifurcação”. E isto será feito mediante a aprovação congressual da Nova Constituição Política do Estado.

O Congresso se transformará por uns dias em uma espécie de Congresso Constituinte que articulará o trabalho da Assembléia Constituinte fechada nove meses antes, os acordos governamentais governamentais com o bloco minoritário de prefeitos conservadores nas semanas prévias e a deliberação popular da marcha empreendida pelas organizações operárias, indígenas, camponesas e populares que sob a direção do presidente Evo, chegou à cidade de La Paz desde Caracollo.

Sob as novas circunstâncias, estava claro que o eixo articulador indígena-popular do Estado se impunha por seu próprio peso na ordem estatal constitucional. Mas, ao mesmo tempo, o resto dos setores sociais eram articulados a partir de seu próprio debate na Assembleia Constituinte (classes médias, setores empresariais medios e pequenos, etc.) Inclusive o bloco conservador rentista da terra, expresso politicamente pelos prefetos cívicos, foi levado em conta, mas claro que como sujeito social dirigido pelo novo núcleo estatal indígena-popular, e em menor intensidade pelo que poderia ter conseguido se assumisse a convocação pactista de 2006-2007. Não se pode esquecer que este trabalho político também servirá para arrebatar à direita a bandeira autonômica, atrás da qual havia dissimulado a defesa do latifúndio e do rentismo empresarial.

Desta forma, o bloco nacional-popular não apenas se consolidava materialmente na estrutura estatal, como assumia o mando dos três eixos discursivos da nova ordem estatal que guiaram todos os debates políticos nas décadas seguintes: plurinacionalidade, autonomia, condução estatal da economia. Visto à distância, apesar de toda a conflitividade dos três anos, em termos dos resultados duradouros, as coisas não poderiam ter sucedido de melhor forma para o bloco nacional-popular no poder. No final, as condições de concessão aos adversários são muito maiores em um pacto constituinte que os reconhecimentos e inclusões cedidas a um adversário abdicante e derrotado, pelo que a história nem sempre transcorre pelo lado ruim, como acreditava Hegel.

Em agosto se consolida a vitória eleitoral, em setembro a vitória militar e em outubro (com a aprovação congresual do referendo constitucional) a vitória política. E, com isso, certamente, se fecha o ciclo constituinte e, a partir desse momento, se inicia a estrutura da orden unipolar da nova ordem estatal.

- Até onde o enfraquecimento tão notório da oposição poderia transferir as tensões para o interior do bloco oficialista, levando em conta que uma oposição movilizada é sempre muito efetiva para coesionar às próprias bases?

Álvaro García Linera: Eu não creio, no entanto, que a oposição tenha sido desarticulada definitivamente. A oposição não tem um projeto de poder, carece de discurso mobilizador e tem um poder de veto gigante em muitas coisas. Continua sendo um adversário perigoso. Certamente que no âmbito econômico o Estado conseguiu dar golpes contundentes no desmonte de uma parte do poder econômico opositor: a burguesia rentista e intermediária já não tem as empresas petrolíferas como financistas generosas de suas rendas. A rede clientelista agrária que os rentistas da terra criaram no âmbito agroindustrial se enfraqueceu enormemente com a presença da empresa estatal de alimentos EMAPA e a presença pública na cadeia sojera, trigueira, arrozeira, chega a entre 20 e 30% do total da produção. Mas o bloco opositor irredutível ainda conserva outros espaços importantes de poder agrário, comercial e financiero, e isto lhe dá finalmente poder de agregação, de pressão e de confrontação. Mas hoje, e isto pode durar alguns anos, o que não tem é um projeto de Estado; quanto tempo ainda não o terá, não se sabe, mas tem um projeto de tratar de impedir que siga avançando o projeto popular. À diferença das classes populares, que em 1985 forma derrotadas e materialmente foram desestruturadas para dar lugar a um ciclo lento de reorganização, a direita, não.

A direita sofreu um golpe político, perdeu o mando do Estado, perdeu a capacidade de seduzir estatalmente à sociedade, mas tem muito poder econômico ainda. É diferente a forma de consolidação do ponto de bifurcação quando é o setor popular o derrotado, política e materialmente, que quando se trata do setor empresarial, porque pode perder no plano político, mas conserva poder econômico que lhe permite ter poder de veto permanente. Então segue aí esse adversario, fragmentado, desorientado, mas como adversário e com capacidade de bloqueio. Mas nesse cenário em que a contradição fundamental se apaziguou, se debilitou, surgem maiores possibilidades de tentações no interior do núcleo central, é verdade. Mas por que não conseguiram prosperar o que na história de muitos partidos são tendências fraccionistas no interior do núcleo dirigente? Por vários motivos. Em primeiro lugar, sem dúvida, pela liderança avassaladora do presidente Evo na estrutura política e social do Estado e da própria sociedade. Hoje, a figura, o carisma e a adesão que conseguiu o presidente Evo é de tal magnitude que limita objetivamente a existência de outra liderança que pudesse disputar a base social do governo e da sociedade.

Mas há outro elemento relevante que explica os limites materiais de um fraccionalismo no interior do governo: a ausência de facções com poder econômico. O controle de ministérios habilita a ter influência, redes, que permitem constituir facções econômicas. É preciso não esquecer que somos um Estado que passou a investir de 600 a 2.300 ou 2.400 milhões de dólares e é normal que em qualquer parte surjam facções do poder econômico, núcleos que controlam decisões, fábricas, rendas, força de trabalho. Acontece no Brasil, na Argentina, na Venezuela. Mas aqui se criou, até agora e de uma maneira sistemática e vigiada, uma estrutura laboral governamental que impediu a consolidação de núcleos consolidados de influência e de poder econômico, não digamos de propriedade, com capacidade de desempenho e de presença política autônoma no interior do governo.

Nisso vários fatores intervieram: elevada rotação de funcionários, um controle presidencial do funcionamento diário dos ministérios, mas também uma moral interna, uma espécie de espartanismo governamental reivindicador de uma ética do serviço público que limitou, até hoje, a cristalização de facções de poder econômico que são as que alentam potencialmente o faccionalismo político. Isso permitiu que exista um núcleo muito duro e coeso em torno do Presidente que ajuda a que internamente não emerjam tendencias centrífugas.

- Esta é a tentativa de construir uma moral do serviço público no núcleo de decisões do governo? Mas o que passa na base? Víctor Paz Estenssoro explicou o fim da Revolução Nacional quando os empregos a repartir eram menos que os militantes do MNR. Não pode aconteder a mesma coisa com o governo do MAS?

Álvaro García Linera: Paz Estenssoro assumia essa pressão do militante arrivista como um hábito político, em continuidade com uma lógica de prebendas que nunca buscou superar. Na Bolívia, desde o século XIX, a atividade política foi vista como um meio de ascensão social mais que um meio para o serviço das res publica. De fato, a estrutura material das classes sociais na Bolívia opera de tal forma que os procesos de enclassamento e de desclassamento não dependam tanto do capital cultural para ascender socialmente, mas do capital político, isto é, das redes e influências políticas que garantem o acesso a bens privados. Isto, que era um monopólio exclusivo de casta e de familia até 1952, desde aquele momento se ampliou para classes medias e niveis de direção do sindicalismo operário.

Na atualidade há setores que pressionam e reivindicam uma maior “democratização” desta forma de prebendas da ação política e reivindicam o direito a um cargo público pelo fato de pertencer a alguma direção regional do MAS. Diante dessa pressão e da degeneração da militancia política, o governo foi muito contundente na sua rejeição e punição. Por que expulsamos a Adriana Gil em 2006? Por isso, porque naquele momento tinha se formado um nucleo de militantes massistas que tomaram uma instituição para pedir que eles ocupassem cargos. Em abril do mesmo ano foram expulsos os que queriam continuar com o velho hábito da militância como acesso a um cargo público. A partir daquele momento, o proprio Presidente não somente colocou em prática uma ética política da gestão pública como serviço, como foi claríssimo que os companheiros que se reinscrevem como militantes do MAS não devem esperar fazer parte das estruturas organizativas do Estado e que, ao contrário, devem se esforçar por para fortalecer a estrutura organizativa e ideológica do partido. Se comparamos as mudanças no pessoal do Estado, entre nossa gestão de governo e as precedentes, se constatará que nós não fizemos nem 20% das mudanças feitas pelas administrações anteriores. Nos tempos do MIR, da ADN, do MNR, nem os porteiros nem as cortinas dos despachos se salvavam da “varrida” partidária. Para nós, então não é uma preocupação que existam muitos militantes e poucos cargos; ao contrário: se você é um militante, então não tem cargo. E isto nós enfatizamos sob a concepção da política como uma espécie de longo “serviço militar” para servir à sociedade.

- Mas isto não impede a formação de quadros no interior do proprio MAS?

Álvaro García Linera: Este é um grande problema, nem tanto pelo tema. Uma das grandes debilidades da nossa estrutura política, deste proceso, é a ausência de quadros políticos e técnicos. Nas revoluções mundiais, os partidos que ascenderam ao governo tiveram previamengte décadas de preparação e seleção de quadros que lhes permitiu assumir com maior musculatura organizativa as transformações da sociedade. O próprio MNR, que se formou nos anos 30, teve mais de quinze anos de formação antes de aceder ao governo. Mas o MAS, que surgiu em 1995 como estrutura política local, recém em 2000-2001, se colocou a temática de uma estrutura nacional com vontade de poder e em 2005 já era governo. São apenas quatro anos de preparação. E isto gerou dificuldades, já que no núcleo político básico, o MAS não é uma estrutura de quadros, mas uma coalizão flexivel de movimentos sociais.

Fez-se um esforço para potencializar a parte organizativa dos quadros, mas o rápido crescimento no plano urbano obrigou a reafirmar a disciplina militante sindical diante das práticas mais liberais e de prebendas nos âmbitos urbanos.

Quando se forma o partido, a estrutura, digamos assim, de quadros funcionais urbana, era paralela à estrutura sindical agrária e compatilhavam os niveis de decisão política. Mas já no governo, uma parte da estrutura urbana se dedicará a buscar cargos, o que, para limitar esse tipo de desvíos e práticas se decide, desde 2007, que nos níveis nacional, departamental e regional das estruturas partidárias assumam o mando as organizacões sociais.

- Então de onde vêm os cargos?

Álvaro García Linera: Desde que somos governo, se reforçaram os mecanismos de seleção meritocrática nos níveis técnicos da administração pública, enquanto que os cargos de confiança política passam pelo filtro das organizações sociais nacionais. Desde 2007, a postulação a cargos de confiança política já não passa pelas listas das direções departamentais.

- Em relação ao caso Santos Ramírez, como afetou o projeto econômico do governo, considerando que YPFB é uma empresa emblemática deste proceso?

Álvaro García Linera: YPFB não é apenas uma empresa emblemática, é a empresa que sustenta econômicamente o país e a base material da soberania reconquistada. Tem um fluxo de caixa de cerca de 3,3 bilhões de dólares e, para a Bolivia isto é muitíssimo dinheiro. Em termos de propriedade, YPFB controla, em nome do Estado, entre 2,2 e 2,3 bilhões de dólares. Hoje 50% das nossas exportações são petróleo e gás e essas exportações passam por YPFB. É o coração da economia boliviana e deve ser uma das vinte empresas mais importanes da América Latina. Por isso, as primeiras informações sobre a corrupção em YPFB foram um golpe muito duro porque golpearam a empresa emblemática do país, mas afetaram ao mesmo tempo a um companheiro que era evidentemente no futuro um dos mais possíveis sucessores de Evo na liderança política do MAS. E diante dessa difícil situação, se respondeu de maneira imediata e com a mesma firmeza: afastar Ramirez, imediatamente, da direção da empresa e apoiar públicamente as investigações do Ministério Público. Rompendo, assim, com a velha tradição dos partidos tradicionais de ocultar, adiar e finalmente encobrir os atos de corrupção de seus militantes com peso político, nós decidimos emitir um novo sinal: no governo e diante dos intereses do povo, não há amigos, não há familiares, não há militantes, não há compadres, nem comparsas. Há servidores ou corruptos e estes últimos devem ir para a prisão sem nenhuma consideração. Não podemos permtir nenhuma sombra ou uma suspeita de erro no nucleo dirigente.

A instrução foi clara: que se encarregue a Justiça e que ninguém pressione. Se esteve muito atento a que nenhum nivel do Estado interfira, pressione, insinue nada a favor de Santos. Mas o dano está feito. Houve que passar meses para ir curando essa ferida. Mas, uma vez mais, se nota a ausência de quadros. Daí que tivemos que aprovar uma lei que permita pagar salários mais altos que o do Presidente para quadros técnicos de empresas estratégicas. É a nossa forma local da NEP (Nova Politica Econômica, na Rússia pós-revolucionária) de Lenin. O objetivo da NEP, além de aliança com os camponeses, era fundamentalmente recrutar técnicos para administrar os níveis subalternos do Estado, levando em conta que se bem o Estado é uma estrutura política, tem níveis burocrático-administrativos e técnico-cientificos que requerem conhecimentos e saberes que não podem ser adquiridos nem transformados rápidamente. Lenin, para terminar com a catástrofe econômica que ocorreu imediatamente depois da revolução, teve que recontratar técnicos do antigo Estado, até criar gradualmente uma admnistração mais simples. E instruiu: abaixo de cada técnico coloquem um jovem para que aprenda e nós estamos fazendo a mesma coisa. Já iniciamos isso em 2006: se muda a organização e as pessoas dos níveis de decisão da administração pública (ministros, vice-ministros e alguns diretores), mas não se toca na estrutura secundária da administração estatal do Estado, até formar quadros estatais, jovens, que substituam aos antigos quadros.

Agora temos novos desafíos: empresas estatais que se agigantam em um, dois ou tres anos. Necessitamos gente competente, que é preciso recrutar no mercado de trablho. Dai a via que adotamos: mando político comprometido nos níveis de decisão e funcionários técnicos de primeira com salários muitas vezes superiores aos dos próprios gerentes das empresas em que trabalham. Passa isto com Carlos Villegas, ele gana 13.000 bolivianos enquanto um gerente de Andina pode ganhar 60.000 bolivianos
ou 15.000 dólares; por enquanto não nos resta outra opção, até que se consiga formar uma nova geração de servidores públicos com grande eficiência técnica, mas, além disso, com compromisso político que permita novamente igualar a escala salarial.

- No governo há uma narrativa muito atraente em torno da descolonização, há um decreto, um vice-ministério de descolonização… como se mediatiza este objetivo em termos de políticas culturais e educativas?

Álvaro García Linera: A descolonização tem várias dimensões e é um elemento forte do projeto de poder dos movimentos sociais. Recebemos uma sociedade colonizada até o fio do cabelo, no plano econômico havia que pedir esmola a países estrangeiros para pagar salários, no plano político havia que pedir autorização às embaixadas para escolher ministros, no plano espiritual, as pessoas acreditavam que o poder era um argumento de pele e de sobrenome, no plano mental, as pessoas achavam que tudo o que chegava de universidades estrangeiras era saber e o resto era folclore. Para derrubar essa muralha que esmagava a energia vital dos bolivianos, o primeiro passo que adotamos foi a descolonização política: tomar decisões como país sem consultar a governos estrangeiros. Aqui o ministro de governo tinha que passar pelo visto da embaixada dos Estados Unidos, o ministro da Fazenda pelo visto do Fundo Monetário Internacional ou do Banco Mundial. Um segundo momento é a descolonização econômica, o que em termos reais significa romper com o fluxo de externalização do excedente: a sociedade gera um excedente e por distintas vías – poéticamente, as veias abertas da América Latina – esse excedente se transfere em quantidades incontáveis para o exterior.

A descolonização significa, então, a ruptura desses fluxos de sangramento, para que o excedente gerado seja reinjetado outra vez no país, que é o que fizemos com o decreto de nacionalização e com a gradual recuperação das empresas públicas e com as políticas de tipo de câmbio, com as políticas impositivas em relação às remessas dos lucros… o melhor exemplo é o government take petrolero. O government take varia entre 65 e 77%, quando antes era de 27%, isto é, do lucro dos hidrocarburos só 27% ficava na Bolívia. Hoje de cada 100 dólares de lucros entre 65 nos campos menores ou 77 nos grandes campos, fica no país. Esta é a base material da soberanía econômica.

Em seguida vem o outro âmbito, mais duradouro e mais complicado, que é a descolonização cultural e espiritual da sociedade. A quebra do paradigma colonizador foi dado pela própria sociedade, ao eleger, pela primeira vez na história do país, a um presidente indígena. E a partir desse momento, toda a simbología colonial que aprisiona a vida e a alma, começou a se ser rompida irreversivelmente. Hoje temos um índio camponês governando a Bolívia, diante do que os militares tem que pedir audiência, cortes e governantes render honra…

A descolonização cultural tem então dois eixos que devem ser abordados complementarmente. Um se refere à diversidade de culturas, de idiomas, de história e de memórias. O outro eixo se refere à diversidade de civilizações, isto é, de modos de produção de sentido da vida, do tempo, da política. A descolonização no primeiro dos eixos, o cultural, é mais fácil de conseguir e já há experiências em outras sociedades multiculturais (Bélgica, Índia, Canadá…): ensino em vários idiomas, administração pública plurilingüe, narrativa histórica plural dentro da história nacional comum, que vem a ser uma história nacional de varias nações, etc. A escola e a universidade vão ensinar obrigatoriamengte em três idiomas: castelhano – como idioma de integração -, uma lingua estrangeira – como idioma de comunicação com o mundo – e um idioma dominante na região (aymara em La Paz, quechua em Cochabamba e guaraní em Santa Cruz). No âmbito do Estado, os funcionarios públicos devem aprender um idioma indígena também de acordo com a zona. O mesmo deve ocorrer com as publicações, os discuros estatais públicos. E seguindo no plano cultural, a descolonização da memoria, a reivindicação oficial de outros heróis, das datas dos povos indígenas. A história diversa, mestiça e indígena, tem que ser oficializada nos textos de ensino.

O que é mais complicado é a descolonização do ponto de vista civilizatório; isso tem a ver já com a matriz organizativa e cognitiva das pessoas. No âmbito da educação, se trata de reivindicar outros saberes, outras construções discursivas, não necesariamente escritas, do conhecimento; como vamos conseguir isso, é parte de um debate interno no governo; como vamos preservar como patrimônio público o que está escrito nos têxteis (tecidos aymaras), como saber do Estado? É um debate complicado. Na área da saúde já se deram passos maiores, por exemplo, colocando junto ao médico ao “naturista”, ou ao lado da enfermeira e a parteira e as pessoas podem optar no centro médico. É um prototipo de saber e de procedimento médico que o Estado está começando a institucionalizar, ainda que não há ainda uma regulamentação deste saber local disperso, mas que corresponde a outra civilização, nao somente a outra cultura.

Outra lógica de entender o que é a morte, a vida, o sangue, a comida. No âmbito político tambem avançamos ao incorporar a democracia comunitária como uma das democracias legítimas legítimas no modo de produção de decisões do Estado. Ou a incorporação do controle social pela via das estruturas sindicais, associativas, comunitárias, para a administração do Estado. E no plano econômico incorporamos, reconhecemos, fomentamos e financiamos as estruturas comunitárias da sociedade como parte da área produtiva que tem que decidir uma parte do investimento do TGN. Trata-se de um proceso complexo e longo. Mas já começamos a dar passos decisivos.

- Ao escutar a Evo Morales se adverte sobre uma defasagem entre seus discursos na defesa da Pachamama, da terra e do territorio, mais para fora, e um discurso mais desenvolvimentista para dentro, incluindo denúncias das ONGs que promovem uma Amazônia sem petróleo. Como você explica isso?

Álvaro García Linera: Está claro que a lógica produtiva camponesa e comunitária se baseia em um tipo de racionalidade produtiva localmente sustentável com a natureza, porque tem como fundamento uma lógica de adiantamentos e restituições entre gerações. Trata-se de um fato material que para garantir o alimento dos hoje presentes, tem que fazer preservando as condições alimenticias para os que virão depois, o que leva a uma leitura dialógica e a um vínculo sustentável a longo prazo com a natureza. A forma como se racionaliza e se verbaliza isso dá lugar à ritualidade dialogante com a natureza, enquanto corpo vivo ao que se lhe pede autorização, se lhe pede o necessário para a reprodução e se lhe devolve em seguida e se mantêm esse corpo para garantir a longo prazo este intercâmbio metabólico entre ser humano e natureza. Tomando um conceito de Marx ao estudar a comuna rural na India nos Grundrissen, na civilização camponesa, a natureza se apresenta então como uma externalização orgânica da subjetividade. Por tanto você não pode destruir teu próprio corpo a não ser que seja um suicida.

O movimento camponês defendeu e vai defender uma forma de uso que hoje chamamos de racional da natureza, oposto aos procesos de depredação própria da civilização do valor-lucro. Daí que na América Latina no movimento indígena-camponês tenha existido uma construção discursiva militante na defesa das potencias da natureza diante da depredação expansiva da exploração capitalista. Com o tempo, esta lógica produtiva agrária e camponesa se tornou uma lógica política do enfrentamento com o Estado desenvolvimentista neoliberal.

O tema se torna mais complexo quando são os camponeses-indígenas, anteriormente excluídos da cidadania e do poder econômico, que se tornam bloco dirigente e condutor do Estado e as comunidades se tornam parte do Estado, que é o que nos está pasando na Bolivia. Então, por um lado, se leva para o âmbito estatal esta lógica da relação dialogante com a natureza; mas ao mesmo tempo enquanto você é Estado, necesita recursos e excedentes crescentes para atender necesidades básicas de todos os bolivianos e dos mais necessitados, como as comunidades indígenas e populares andar com seus proprios pés. Expandir como política de Estado a proteção do meio ambiente, o uso sustentável da natureza, mas ao mesmo tempo necesita produzir em grande escala, implementar processos de industrialização expansiva que te habilitem excedente social para sua redistribuição e para o apoio a outros procesos de modernização camponesa e comunitária artesanal.

No caso da exploração de gás e de petróleo no norte pacenho, o que buscamos é produzir hidrocarburos para equilibrar geográficamente as fontes de riqueza coletiva da socidade, gerar excedente e simultaneamente preservar o entorno espacial em coordenação com as comunidades indígenas. Hoje não estamos abrindo passo no norte amazônico para que entrem a Repsol ou a Petrobrás. Estamos abrindo passo na Amazônia para que entre o Estado.

- E quem assegura que o Estado não seja tão depredador como as empresas transnacionais?

Álvaro García Linera: É preciso cuidar que ele nao seja assim. E certamente haverá uma tensão lógica social-estatal de um uso sustentável da natureza e da necessidade social-estatal de gerar excedentes (lucros) económicos a cargo do Estado. Trata-se de uma tensão como o é o “Estado de movimentos sociais”, entre democratização do poder e monopólio de deicsões (movimiento social/Estado). É preciso viver com essa contradição vital da história. Não há receita, é obrigatório tirar gás e petróleo do norte amazônico de La Paz. Por que? Porque necesitamos equilibrar as estruturas econômicas da sociedade boliviana, porque o rápido desenvolvimento de Tarija com 90% do gás vai gerar desequilibrios a longo prazo. Igualmente, se requer excedentes económicos para reforçar estruturas comunitárias, para expandi-las, para buscar modos de modernização alternativos distintos da destruição das estruturas comunais, como vem acontecendo até hoje. E, ao mesmo tempo, é necessário impulsionar, em acordo com as comunidades, uma produção hidrocarbonifera não depredarora do entorno.

- Se as comunidades dizem que não, o Estado entrará de qualquer maneira?

Álvaro García Linera: Aí vem o debate, o que aconteceu? Quando consultamos à CPILAP (Central de Povos Indígenas de La Paz), nos pediram que fossemos consultar com Bruxelas com seu escritorio de advogados e que respeitássemos os enunciados ambientais publicados pela USAID. Como é isso então? Quem está impedindo que o Estado explore petróleo no norte de La Paz: as comunidades indígenas Tacanas, uma ONG, ou países estrangeiros? Por isso, fomos negociar comunidade por comunidade e encontramos ali o apoio das comunidades indígenas para levar adiante a exploração petrolífera. O governo indígena-popular consolidou a longa marcha dos povos pela terra e pelo territorio. No caso dos povos indígenas minoritários das terras baixas, o Estado consolidou milhões de hectares como territorialidade histórica de muitos povos de pequena densidade demográfica; mas junto ao direito à terra de um povo está o direito do Estado, do Estado conduzido pelo movimiento indígena-popular e camponês, de sobrepor o interesse coletivo maior de todos os povos. E assim vamos proceder daqui para frente.