segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A direita sempre hipócrita e a esquerda buscando caminhos



Olavo B. Carneiro e Rodrigo Cesar

"Agora refundamos a Bolívia (...), aqui termina o Estado colonial, acabou o colonialismo interno e externo. Graças à consciência do povo boliviano, acabou o latifúndio e os latifundiários".

Discurso de Evo Morales no balcão do palácio presidencial, na praça de Armas de La Paz, após vitória no referendo constitucional.

No dia 25 de janeiro de 2009 a Bolívia realizou um referendo popular sobre a nova Constituição. Tendo ocorrido em nove departamentos (estados) do país e de comum acordo entre governo e oposição, o "sim" ao novo texto constitucional, defendido pelo governo Evo Morales, recebeu 61,43% dos votos e foi vitorioso em cinco departamentos.

Agora, depois da partida jogada com regras aceitas pelos dois lados, a direita boliviana defende o "desacato" ao referendo aprovado pela maioria da população, que aprovou, entre outras medidas, o limite de propriedade de terra em 5.000 hectares.

"Desacato, desacato, desacato!", convocou a prefeita (governadora) indígena Cuéllar, discursando no balcão da prefeitura de Chuquisaca, na praça de Armas da cidade de Sucre, feudo da oposição, onde milhares de pessoas se reuniram para festejar a vitória do "não" neste departamento. Ao mesmo tempo, na cidade de Santa Cruz, o governador Rubén Costas, considerado o líder nacional da oposição, disse a uma multidão que "o 'não' triunfou porque o projeto queria nos dividir e confrontar os bolivianos". Enquanto os presentes o aplaudiam, Costas destacou que nos departamentos opositores venceu

"o espírito democrático, para enviar uma mensagem clara, de que somos centenas de milhares de bolivianos do oriente e do ocidente, do norte e do sul, como uma imensa rejeição ao projeto que emana do abuso e da ilegalidade".

Importante lembrarmos que essa postura golpista da direita não vem de agora nem é caso isolado do nosso país vizinho. Sem precisar ir muito longe – no tempo e no espaço –, temos os golpes de Estado promovidos pelos militares e apoiados pelos EUA na América Latina no período de três ou quatro décadas atrás.

Já nos anos recentes temos as continuadas tentativas de derrubar os governos populares na Venezuela, Bolívia e, com contornos distintos, no Brasil em 2005. Essas tentativas foram em boa medida impedidas pelo apoio popular aos governos e pela atuação das organizações dos trabalhadores e excluídos: associações, sindicatos, movimentos populares, entidades estudantis, partidos políticos.

A mais atual experiência boliviana e o passado de posturas golpistas não deixam dúvida sobre a hipocrisia das classes dominantes quando estas falam de democracia. Como podemos ver, faz parte da prática da direita considerar democrático e legítimo apenas a manutenção dos seus interesses. Segundo os discursos da direita boliviana, união, legalidade e democracia só podem existir quando prevalecem as suas posições e opiniões. Quando o povo lhe acompanha – como nos departamentos mais ricos da Bolívia – é considerado maduro; quando contrário aos seus interesses é acusado de inconseqüente, manipulado, massa de manobra, incapaz de decidir sobre os rumos do país.

A história demonstra a relação utilitarista das classes dominantes com a institucionalidade, a democracia liberal e o Estado burguês. Não hesitam em usar a violência – militar ou paramilitar – para defender seus interesses quando todo o aparato Estatal e institucional que funciona em seu favor não consegue mais conter o avanço das classes trabalhadoras e setores excluídos. Taticamente abrem mão das regras que criaram e consolidaram para se perpetuarem no poder. Para coroar, através dos grandes meios de comunicação no Brasil e no mundo, classificam e sistematicamente atacam governos que realizam sucessivos referendos e plebiscitos como autoritários. É a direita, sempre hipócrita.

Porém, além de conhecer bem nossos inimigos é fundamental analisar a nós mesmos, cabendo, portanto, uma pergunta: até onde oprimidos e explorados podem ou devem se apoiar nesta institucionalidade, comprometendo-se total ou parcialmente com regras que favorecem ao inimigo?

Depois da crise do chamado campo socialista, o maior acúmulo de forças obtido está localizado exatamente em parcela do poder do Estado: governos da América Latina. Ou seja, a "ironia do destino" colocou a esquerda em uma situação inusitada, complexa e paradoxal.

Inusitada, pois inédita e originada em um momento de hegemonia supostamente inquebrantável do capitalismo – aparência que inclusive contribuiu para levar militantes de esquerda à conclusão de que "se não podemos contra eles, nos resta abraçá-los". Complexa, pois envolve novos atores sociais, pautas e contradições resultantes da fragmentação do processo produtivo no neoliberalismo, além do cenário de crises e instabilidades cuja profundidade e desdobramentos são ainda imprevisíveis. Paradoxal, pois hoje, para garantir direitos sociais universais, nos apoiamos justamente no aparato estatal que funciona para manter a estrutura de classes e opressões da sociedade.

Os golpes – bem e mal sucedidos – e as sucessivas idas e vindas eleitorais da esquerda no continente nos servem de sinal amarelo, indicando a necessidade de, pelo menos, não perder o que já se conquistou. Por outro lado, depender da estabilidade democrática da burguesia para aprofundar as transformações em curso pode nos custar muito caro. Portanto, deparamo-nos com uma questão ainda sem solução teórica e política: como transitar do atual quadro de predomínio da disputa institucional – mais favorável à direita – para outro terreno mais favorável à esquerda?

A busca que "velhas toupeiras" e "grilos falantes" latino-americanos desempenham neste período histórico para encontrar novos caminhos passa pelo resgate e o estudo dos melhores ensinamentos deixados pelo movimento e pela teoria revolucionária e socialista dos séculos XIX e XX. Afinal, se mesmo com eles ainda não temos resolvidos os dilemas que nos afligem, certamente sem eles não temos a menor chance.

Um comentário:

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom